Durante quatro horas seguidas de depoimento aos deputados da CPI do Tráfico de Armas, o preso Marcos Camacho, o Marcola, confirmou a existência de uma organização criminosa no estado de São Paulo e o domínio sobre 90% dos presídios do estado. Sem citar nomes ou siglas de facção, Marcola respondeu a quase todas as perguntas. Só se negou a citar nomes e números do crime com uma frase; 'Isso não posso responder porque coloca em risco minha integridade'. O relato sobre o depoimento de Marcola, que durou toda a tarde desta quinta-feira, foi feito ao Globo Online pelo deputado Paulo Pimenta (PT-RS), relator da CPI.
Segundo Pimenta, Marcola afirmou que os ataques a São Paulo foram desencadeados a partir de um 'pedido de ajuda' feito a comparsas que estão fora das prisões pelos cerca de 700 detentos que estavam sendo transferidos para presídios de segurança máxima. Marcola, que passou no Departamento de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) a noite em que foram iniciados os ataques à polícia paulista, disse aos deputados que eles tinham sido maltratados, passando muitas horas sem comer ou beber água, dentro dos carros fechados da Secretaria de Administração Penitenciária (SAP). Retirados de presídios que controlavam, esses detentos teriam se comunicado por celular com os criminosos espalhados pelas cidades.
- Ele diz que não houve um planejamento prévio dos ataques, mas uma onda de revolta que cresceu e foi levada para fora dos presídios por meio dos celulares - conta Pimenta.
O deputado diz que Marcola não confirma a existência de acordo com o governo de São Paulo para por fim à onda de terror iniciada na noite de 12 de maio, uma sexta-feira. Segundo ele, o preso contou que estava em sua cela quando foi chamado à sala do diretor do presídio. Ao chegar lá, teria encontrado representantes da SAP, da Polícia Militar e da Corregedoria dos Presídios, acompanhado da advogada Iracema Vasciaveo (ela se apresenta como integrante da ONG Nova Ordem, de apoio a presidiários). Na versão de Marcola, teria então sido convidado a usar um celular para se comunicar com várias pessoas fora dos presídios e avisar que estava fisicamente bem.
E teria se negado.
- Ele disse que não fala ao celular e, por isso, foi pedido a outro preso, conhecido como L.H, de Luiz Henrique, que fizesse as ligações indicadas pela advogada - diz Pimenta.
Teria sido a informação de que todos estavam bem, na fala de Marcola, a responsável pelo fim dos ataques a São Paulo e das rebeliões simultâneas em 73 presídios do estado, que praticamente cessaram em menos de quatro horas na tarde de segunda-feira, dia 15 de maio.
Pimenta afirma que Marcola confirmou que a organização criminosa passou a atuar com tráfico de drogas nos últimos 10 anos, deixando os crimes iniciais da quadrilha, que eram roubo a banco e a carros-fortes, fortemente inibidos pela polícia paulista. A migração, segundo Pimenta, levou o grupo também ao tráfico de armas, já que as duas modalidades de crime caminham juntas.
- O depoimento apenas reforçou a suspeita de que a rota do tráfico de armas é a tríplice fronteira - afirmou o relator da CPI, sem dar detalhes das perguntas feitas pelos deputados sobre os caminhos de entrada de armamento no país.
O deputado afirmou que Marcola confirmou a cobrança de 'taxas' de presidiários e de criminosos que estão fora dos presídios. Segundo o criminoso, a organização, que tem líderes e hierarquia rígida, fornece em troca desse pagamento pequenos benefícios, como sabonetes, pastas de dente e toalhas. Em contrapartida, explica Pimenta, exige obediência.
- Ele disse que há normas de condutas em todos os presídios e os presos que não as cumprem são justiçados (mortos). Informou, por exemplo, que proibiram o uso de crack dentro dos presídios e o estupro de presos - afirmou Pimenta.
A proibição do crack é explicada pela necessidade de manutenção de controle, já que o uso da droga leva à indisciplina dentro da organização. De acordo com Pimenta, Marcola não fala explicitamente em organização, mas explica todas as decisões e funcionamento do grupo com a palavra 'nós', indicando a associação.
O relator da CPI afirma que Marcola falou sobre a existência de um segundo grupo criminoso que domina o restante dos presídios do estado. Ou seja, por essa conta, as instituições do governo não controlariam nenhum.
- O relato dele indica que houve uma política de tolerância extrema, que permitiu a substituição do poder do estado dentro dos presídios e ganhou as ruas - disse Pimenta.
Diante do depoimento de Marcola, o relator afirma que os deputados da CPI do Tráfico de Armas irão discutir sobre a necessidade ou não de se estender por mais tempo o prazo da comissão, que deve entragar o relatório final no dia 5 de julho.
- Há muitos fatos novos, precisamos avaliar. O importante é que a CPI mostrou que a sociedade civil não se intimida e continua investigando o crime organizado - disse ele.
Na avaliação do deputado, a greve de apoio a Marcola feita pelos presos de São Paulo nesta quinta-feira é apenas mais uma demonstração de força que não pode intimidar as instituições.
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