Apesar de ter conseguido uma decisão favorável no Supremo Tribunal Federal (STF), o empresário Marcos Valério, preso em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, não será transferido para uma unidade de Lagoa da Prata (MG), a 200 km da capital mineira. Lá não há guardas armados, e os próprios detentos ficam com as chaves. O juiz da cidade, Aloysio Libano de Paula Junior, não autorizou a transferência alegando falta de vagas e apontando que foi feito um contrato de aluguel fictício em nome da mãe e da companheira de Valério. O objetivo seria fazer acreditar que elas moram na cidade, para que a transferência fosse possível. O empresário cumpre pena de 37 anos e cinco meses de prisão, a maior entre os condenados pelo STF no processo do mensalão.
A decisão tomada em 19 de dezembro de 2016 pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator dos processos do mensalão no STF, condicionava a transferência de Valério à Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (Apac) de Lagoa da Prata à oferta de vagas. Mas, segundo o juiz da cidade, há outros 27 presos na lista de espera pleiteando uma vaga no local. O magistrado fez a ressalva de que, caso Barroso ainda entenda pertinente a transferência de Valério, ele “efetivará todas as medidas necessárias ao cambiamento do sentenciado”.
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Leia a matéria completaO pedido de transferência foi feito em fevereiro de 2016. O juiz de Lagoa da Prata foi ao endereço indicado e conversou com o proprietário, que negou que elas morassem lá. Por isso, ainda em abril do ano passado, o pedido foi negado. Posteriormente a defesa esclareceu que o proprietário tinha um contrato de locação segundo o qual deveria guardar sigilo sobre as inquilinas. A explicação foi aceita pelo juiz Wagner de Oliveira Cavalieri, da Vara de Execuções Penais (VEP) de Contagem. Até mesmo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em documento de 15 de dezembro, foi favorável à transferência para Lagoa da Prata.
Versão diferente
Na terça-feira da semana passada, dia 10, um oficial de Justiça foi novamente ao endereço indicado e constatou que a mãe e a companheira do operador do mensalão não moram lá. Além disso, o proprietário do imóvel, Divino Teodoro Correia, contou uma história diferente. Segundo o oficial, ele disse que há cerca de uma ano colocou um placa de “aluga-se”. Apareceram então “um homem bem agradável e uma moça de uns 30 anos em um carro com placa de Belo Horizonte”, cujos nomes ele não recorda. Divino disse que não aceitou a oferta porque haveria outros interessados na frente.
Passados alguns dias, ele desistiu da ideia do aluguel. Cerca de um mês depois, o mesmo homem e a mesma mulher voltaram. Segundo relatado pelo proprietário ao oficial de Justiça, “este homem insistiu na negociação, dizendo-lhe que poderia continuar morando no imóvel e que inclusive lhe pagaria os aluguéis de forma adiantada, justificando estar precisando muito apenas de um contrato de locação nesta cidade, devido um parente seu estar necessitando ser transferido de Belo Horizonte para a Apac desta cidade e somente na posse deste documento isto seria possível”.
Divino disse ter concordado, “já que ninguém viria morar na sua casa e pensando ser por uma boa causa”. Na segunda-feira da semana passada, o mesmo homem e a mesma mulher voltaram novamente e perguntaram “se alguém teria vindo até o imóvel para saber se realmente os inquilinos do contrato de locação residiam de fato no local, requerendo em seguida as contas de um telefone móvel da Vivo que começou a chegar em sua casa”.
A possível transferência para Lagoa da Prata também foi motivo de preocupação para o juiz Wagner de Oliveira Cavalieri, de Contagem, onde fica o presídio Nelson Hungria, local de cumprimento da pena de Valério. Em 20 de dezembro, ele chegou a mandar um ofício para Barroso, pedindo que o ministro reconsiderasse sua decisão. Como o STF entrou de recesso, o caso não foi analisado ainda. Cavalieri citou a notícia, veiculada no jornal O Globo, de que a própria defesa Valério relatou risco à sua delação premiada, em negociação no Ministério Público (MP).
Risco à delação
A defesa dele disse, em documento enviado ao STF, que os agentes penitenciários do Nelson Hungria folheiam os documentos que estão sendo escritos por Valério e que deveriam ser sigilosos, levando ao risco de vazamentos. Mas, segundo o juiz de Contagem, em Lagoa da Prata é “inegável o risco de fuga ou mesmo de ‘queima de arquivo’“. Isso porque a Apac não possui “aparatos de segurança capazes de impedir ações externas e nem mesmo de evitar eventuais tentativas de fuga”.
Em razão dos riscos à delação de Marcos Valério, ele determinou que o diretor do Nelson Hungria tomasse “todas as medidas necessárias para resguardar a integridade do preso, a fim de evitar que qualquer ação irregular de agentes públicos possa prejudicar o sentenciado ou vazar informações de investigações ou processos em curso”. O juiz de Contagem afirmou também ter consultado o juiz federal Sergio Moro, que cuida dos processos da Operação Lava Jato, sobre o interesse ou a necessidade de transferência de Valério para Curitiba. Isso porque a delação dele envolveria as investigações da Lava Jato. Não houve resposta ainda nem do diretor do presídio nem da Justiça Federal do Paraná.
Em dezembro, antes da decisão de Barroso, a defesa de Valério fez um novo pedido de transferência ao STF, dessa vez para a Apac de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Nesse pedido, o endereço da mãe de Valério é na capital mineira. Foi nesse pedido que a defesa alegou riscos à delação e à segurança do empresário. Argumentou também que a entrada do Nelson Hungria, onde está preso atualmente, fica a um quilômetro do pavilhão onde ele está encarcerado, o que dificulta as visitas de sua mãe de 80 anos. Nesse caso, não houve decisão ainda do STF. Em Santa Luzia, a Justiça local informou que a unidade não tinha vagas disponíveis e que Valério é o número 253 na lista espera.
A reportagem não conseguiu entrar em contato com o advogado de Valério.
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