Ensinar o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) a se ouvir, a compreender que tudo aquilo que ele diz pode ter consequências na vida de outras pessoas; ensiná-lo a olhar para dentro de si e a encontrar um ponto de equilíbrio - tudo isso, claro, usando técnicas do Aikidô, arte marcial que prega os princípios da não violência.
Parece uma missão impossível, mas esse já foi um dos trabalhos da especialista em media training, jornalista, poeta e budista Olga Curado. Sim, Bolsonaro foi um dos políticos nacionalmente conhecidos que, ao longo dos últimos 16 anos, procurou melhorar a própria comunicação tendo se socorrido dos serviços de Olga (o ex-presidente Lula, a ex-presidente Dilma Rousseff e o senador Aécio Neves também já foram ajudados por ela).
A ética profissional não permitiu que Olga contasse detalhes das sessões com o deputado linha dura. O que não impediu que a reportagem imaginasse o excelentíssimo se atirando e rolando no tapete macio do escritório da especialista - eventualmente utilizado para dinâmicas físicas. “É importante ensinar a cair para que a pessoa aprenda a se levantar. Proponho exercícios de equilíbrio físico. A pessoa tem que cair para perceber o seu ponto de equilíbrio. Cair no chão, rolar e perceber como é rígida. No filme O Discurso do Rei, o coach usa técnicas parecidas com essa para melhorar a comunicação do rei gago”, diz Olga.
A reportagem procurou Bolsonaro para que o próprio comentasse as aulas, mas o pedido parou na assessoria do deputado que, automaticamente e sem ouvi-lo, avisou que ele não falaria sobre o assunto.
Ainda sobre Bolsonaro, Olga comenta que ele é um personagem curioso - com crenças que ela não discute. “Ele tem o público dele. O importante é que políticos como Bolsonaro tenham a medida clara do que falam. Às vezes, políticos falam sem a noção das consequências. Falam e se surpreendem com o efeito nocivo do ódio. Se surpreendem com a interpretação que fazem do que eles dizem. É preciso cuidado com a força bruta da inconsciência”, diz.
Água no pescoço
Sem revelar especificidades de seus clientes, Olga conta como muitos dos políticos chegam em seu escritório. “Normalmente me procuram quando a água já está batendo no pescoço”, fala. Não à toa, citados na Operação Lava Jato (políticos e empresários) estão entre os seus clientes mais recentes. “Claro, o meu trabalho acontece antes do caso chegar em Curitiba”, avisa. “Mas eu preparo, por exemplo, quem vai dar algum depoimento em CPI ou explicações públicas. Tento passar técnicas para que eles tenham autocontrole mesmo diante das perguntas mais duras. Até para dizer que não vai responder é preciso algum preparo”, lembra.
Mas existiria alguma dica básica que poderia ser aplicada para a maioria dos políticos em maus lençóis? “Não adianta querer ser simpático, seduzir os interlocutores ou fingir ser íntimo demais. Não precisa cometer suicido público, mas não se deve enrolar. Não ajudo políticos a se esconderem. Eles precisam assumir responsabilidades por aquilo que pensam ou querem. Não ensino a mentir. Não faço teatro”, afirma Olga.
Para ela, o que faz muitos homens públicos apresentarem problemas de comunicação é a falta de clareza em seus propósitos. “Quando pergunto por que determinado político quer ser prefeito ou governador, ele me diz que é pra melhorar a vida das pessoas. Ok, tudo bem. Isso é mais ou menos verdade porque muitos não têm uma agenda concreta. A qualidade da comunicação tem a ver com coerência. Não adianta exercício de retórica. Ou o político explica como ele pretende ajudar as pessoas ou o eleitor percebe. O eleitor tem uma sensação quando o que se diz é verdadeiro ou apenas um exercício artístico, uma elaboração artificial”, diz.
Segundo Olga, a nossa “cultura do líder” faz com que muitos tenham vergonha de dizer coisas como não sei. “O mais fácil é a gente ouvir: isso eu não sei, mas na minha opinião... Essa é a síndrome da opinião sobre assuntos que as pessoas não sabem. Políticos sofrem disso e, por isso, sofrem com a exposição pública”, conta. “Eu tento confrontá-los para que não assumam os dois personagens mais manjados do comportamento político: o da vítima ou o do super-herói. Nenhum deles funciona. Quando se escondem atrás desses personagens, eles só falam para convertidos. Portanto, não ganham eleições majoritárias”, completa.
Além das questões conceituais, a especialista trata de problemas bastante concretos, como o de ensinar como um político deve respirar, como olhar para as pessoas, segurar um olhar sem constrangimento, como não parecer arrogante, usar as mãos de uma maneira correta, manter a postura e ter a consciência do próprio corpo. “Muitos tomam um susto quando se olham. Dizem: eu não sabia que era assim. Trata-se de um processo de educação não verbal”, afirma.
Questionada sobre políticos que teriam o domínio da arte da comunicação, Olga cita dois que não foram seus alunos: “Tem um que é bastante óbvio: o Obama. Ele sabe criar um ambiente empático, sabe dar a atenção devida aos seus interlocutores, tem clareza e etc.”.
Cunha
O outro é um pouco mais surpreendente. “Eduardo Cunha. Ele não precisa de aula. Acho que já nasceu sabendo. Não é um julgamento de conteúdo, mas de forma. Ele tem a fala clara e sabe o que quer quando está se expressando. Na votação do impeachment, ele ouvia os maiores xingamentos contra ele e apenas repetia: Excelência, por favor, o seu voto”.
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