Clínicas de São Paulo estão receitando e aplicando, na clandestinidade, tratamentos falsos. Os médicos iludem os pacientes afirmando que serão aplicados medicamentos à base de células-tronco. As vítimas normalmente estão desesperadas e acabam pagando caro pelo suposto tratamento. Dois médicos, um homem e uma mulher, foram flagrados pela reportagem do "Jornal Nacional", aplicando o golpe.

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Em uma das clínicas, que se apresenta como de medicina avançada, os repórteres marcaram uma consulta para apresentar um caso grave. Toda a conversa foi gravada com uma câmera escondida. Foram levados exames e o laudo sobre o estado de saúde de um menino que hoje tem seis anos de idade e paralisia cerebral. Ele perdeu todos os movimentos, não fala, não responde a estímulos. Para preservar a identidade da criança, o nome foi trocado.

O paciente, apelidado de Rodolfo, sofreu lesões em todo o cérebro por causa de um acidente de automóvel.

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- Se a gente tiver que fazer algo com o Rodolfo, vocês têm que saber que este é um estudo paralelo, selvagem, e não está nem autorizado a ser feito. Entendeu? Riscos, o maior risco dele é como ele está - avisava a médica.

Segundo a médica Shirley de Campos, há chances de recuperar Rodolfo com a aplicação de células-tronco importadas.

Jornal Nacional: Qual seria a célula para a senhora aplicar no meu sobrinho?

Shirley: Cérebro, placenta e cordão (umbilical).

Jornal Nacional: E essa viria, vem da Alemanha...

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Shirley: Vem da Alemanha.

Jornal Nacional: A senhora já tem ela aqui?

Shirley: Não. Eu peço, como todo mundo pede alguma coisa quando quer comprar por fora, contrabandista.

O contrabando é de um pó, supostamente um concentrado de células-tronco. A médica explica porque não tem o produto para vender na hora.

Shirley: Se a Anvisa, Vigilância Sanitária, vem no meu consultório e encontra algo que não é registrado no Ministério da Saúde, vem me multar. O CRM (Conselho Regional de Medicina) vem pegar meu diploma. Vocês conhecem esses procedimentos.

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Mas ela sugere outro remédio para começar o tratamento. São ampolas. Cada uma custa R$ 66.

Jornal Nacional: Isso daqui é o que?

Shirley: A célula-tronco diluída mais de 100 vezes.

O rótulo diz que o farmacêutico responsável é João Roberto Teruya. Ele não quis gravar entrevista. Por telefone, desmentiu a médica.

João Roberto Teruya: Isso nada tem a ver com célula-tronco.

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Segundo o farmacêutico, é um preparado que contém proteínas e pode ser usado como fortificante. No frasco está escrito: a injeção deve ser no músculo. A médica não hesita. O tratamento do menino que ela nunca viu deve começar com uma dose por dia.

Shirley: Eu prefiro direto na veia, na veia vai cair na circulação. Na circulação, ela vai rodar e aí vai começar um negócio chamado sinalização celular.

Amostras do pó e das ampolas foram analisadas por uma equipe da Universidade de São Paulo, especialista em pesquisa com células-tronco.

- O pozinho são restos de células e na ampola não tinha célula nenhuma. O que a gente pode dizer, com certeza, é que não pode ter célula-tronco em pó - explica Mayana Zatz, professora titular de genética da USP.

A cientista alerta para o perigo do uso dessas substâncias.

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- Pode ter conseqüências, inclusive muito grave, porque a gente não sabe o que existia lá dentro. Se for bactéria ou vírus, pode causar um dano enorme - alerta Mayana.

Os médicos que vendem esperança por meio destes frascos não querem saber de alarde. Até o recibo disfarça: o valor pago pelas ampolas aparece como honorários médicos.

- Nem fale que tá fazendo. Aliás não é nem pra falar mesmo ou vai ter a turma do contra. Aí vem o bispo, não sei quem, dizendo que vocês estão indo pro inferno, entendeu? - recomenda a médica Shirley Campos.

Shirley diz que não quer se envolver com dinheiro, faz isso para ver resultados. Nossa equipe saiu do consultório dela com 30 ampolas de fortificante e uma conta salgada.

- Fica R$1.980,00. Isso só a medicação, tá? Fora a consulta. Com a consulta dá R$ 2.330,00 - informa a atendente da médica.

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Caso semelhante ocorreu com a família da empresária Lucila Medeiros. Ela é mãe de Karine, que nasceu com paralisia cerebral. No aniversário de três anos da menina, a família festejou os progressos dela. Karine melhorou muito com o trabalho de uma equipe de médicos, mas a mãe não esquece a oferta de ajuda que recebeu do médico Fernando Requena. A oferta quase resultou numa tragédia.

- Ele veio com uma surpresa pra mim, que eu fiquei feliz. Ele falou: olha, eu já estou trabalhando com célula-tronco e o caso da sua filha é muito viável - lembra ela.

Segundo a mãe, a promessa foi feita no consultório de Requena. Ele mostrou um pó. Disse que eram células-tronco, uma esperança de regenerar as lesões no cérebro de Karine. A menina tomou duas doses. Na primeira vez, a reação foi uma febre alta. A mãe ligou para o médico. Na semana seguinte, depois de tomar a segunda dose, Karine teve uma convulsão.

- De repente, ela começou a ficar dura, branca, gelada. Por sorte, estava perto de pessoas e todo mundo acudiu - relata Lucila.

Requena não quis gravar entrevista. Por telefone, ofereceu uma explicação confusa sobre o tratamento.

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- Eu falei que ia dar pra ela uns precursores de célula-tronco. Ela sabia que não estava regulamentado - justificou ele.

Jornal Nacional: Doutor, mas o senhor faz um tratamento que não é regulamentado?

Requena: Olha, não é. É o seguinte, esses neurotransmissores, não está determinado que é para melhorar, o que eu tô fazendo, eu tô dando aminoácidos.