Mudança
Entenda o teor dos projetos aprovados pela Câmara sob influência do mensalão:
Reforma da Previdência
Aprovada em agosto de 2003, a reforma da Previdência limitou as aposentadorias dos servidores públicos ao teto do INSS (atualmente de R$ 3,9 mil) e aumentou em sete anos a idade mínima de aposentadoria do servidor que entrou no serviço público até 1998. Na época, a expectativa era que as mudanças gerassem uma economia de R$ 60 bilhões em duas décadas.
Reforma tributária
A reforma tributária aprovada em 2003 determinou a prorrogação da CPMF e da DRU por mais quatro anos. Além disso, instituiu a partilha com estados e municípios de 25% do que fosse arrecadado pela União com a Cide (imposto sobre combustíveis). Também criou um fundo de compensação dos estados para cobrir perdas com desonerações.
Falências
A Lei de Falências foi aprovada em 2004 e instituiu os critérios de recuperação judicial, que substituíram os da concordata. Segundo a norma, as empresas devem apresentar um plano detalhado de recuperação financeira, que precisa ser aceito pela maioria dos credores. Nesse período, as ações contra a empresa ficam suspensas por seis meses.
Na noite do dia 27 de agosto de 2003, o então presidente Lula comemorava sua primeira grande vitória na Câmara dos Deputados. Por 357 votos a favor e 123 contrários, era aprovada em segundo turno a emenda constitucional da reforma da Previdência. Nove anos depois, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o governo comprou apoio parlamentar para aprovar essa e outras propostas por meio do mensalão e, na esteira da interpretação, o juiz mineiro Geraldo Claret de Arantes considerou a votação inválida ao julgar na semana passada um processo sobre pensão de uma viúva de servidor público.
Decisões como essa tendem a se alastrar pelo país nos próximos meses, embora pelo menos quatro ministros do STF já tenham manifestado a opinião de que o resultado das votações não será alterado. De acordo com a denúncia da Procuradoria-Geral da República que gerou a ação penal do mensalão, a aprovação de pelo menos três proposições teriam sido afetadas pelo esquema além da reforma da Previdência, a tributária e a Lei de Falências.
Todas as propostas aprovadas entre 2003 e meados de 2005 pelo plenário da Câmara, no entanto, poderiam ser questionadas. Só em 2003, foram 205 seis emendas constitucionais, 53 medidas provisórias, cinco projetos de lei complementar, 71 projetos de lei, 54 projetos de decreto legislativo e 16 projetos de resolução.
Efeitos
A reforma tributária prorrogou a cobrança da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a Desvinculação das Receitas da União até 2007. A de falências tornou mais ágil o processo falimentar e oficializou, entre outros dispositivos, as negociações extrajudiciais entre devedor e credores.
"Se toda a legislação aprovada no período retrocedesse por causa do julgamento do mensalão, seria o caos. Já imaginou se o governo precisasse devolver o que arrecadou com a CPMF nesse período?", questiona o cientista político e especialista em Direito Constitucional Valdir Pucci, da Universidade de Brasília.
Na mesma linha, o ex-ministro da Previdência e deputado federal Reinhold Stephanes (PSD-PR) computa que os prejuízos com pensões poderiam superar "uma centena de bilhões". "Geraríamos um passivo impagável", diz o parlamentar. Entre outras mudanças, a reforma da previdência limitou as aposentadorias dos servidores públicos ao teto do INSS (atualmente de R$ 3,9 mil) e aumentou em sete anos a idade mínima de aposentadoria do servidor que entrou no serviço público até 1998.
No último dia 4, a direção nacional do PSol informou que iria entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF para anular a votação dessa reforma. Na visão da assessoria jurídica do partido, o processo legislativo que levou à aprovação do texto está contaminado pela comprovação da existência da compra de apoio parlamentar, o que gera uma inconstitucionalidade formal na lei.
No STF, quatro ministros são contra a anulação e um é a favor
No mesmo dia do julgamento do mensalão em que a maioria Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou o entendimento de que houve compra de votos por parte do governo Lula (9 de outubro), quatro ministros afirmaram em plenário que as leis aprovadas durante a operação do esquema não podem ser consideradas inconstitucionais. Joaquim Barbosa, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Rosa Weber disseram que qualquer anulação não pode ser automática.
"O fato de o grupo ter motivação ilícita não se comunica com o produto legislativo, ainda que decorra parcialmente dessa motivação espúria", afirmou Barbosa. Já Fux citou que o STF já possui jurisprudência para indicar que as leis aprovadas no período não podem ser consideradas viciadas.
Do outro lado, o revisor do processo do mensalão, ministro Ricardo Lewandowski, citou que é "comum" a anulação de leis municipais com esse tipo de problema. Apesar disso, ele não adiantou como pretende se posicionar. O único que sinalizou que deve ser favorável à anulação das leis foi o decano Celso de Mello.
Relator da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios, que investigou o mensalão, o deputado paranaense Osmar Serraglio (PMDB) diz que não há motivos para revogar as leis. "Só haveria razão suficiente para a anulação nos casos em que fosse matematicamente comprovável que a compra de votos interferiu decisivamente no resultado", afirma o peemedebista.
Na reforma da Previdência, grande parte dos 357 votos favoráveis à emenda partiu de parlamentares oposicionistas. Do total de 53 deputados do PSDB que participaram da votação, 27 votaram a favor da proposta patrocinada pelo governo e 25 contra. Dos 66 deputados do PFL (atual DEM), 32 foram favoráveis e 34 contrários, apesar de a liderança do partido ter indicado o voto contra. O resultado final teve uma folga de 49 votos, já que eram necessários apenas 308 para a aprovação da proposta.
De acordo com Serraglio, mesmo que anule as votações, o STF pode modular os efeitos da decisão, impedindo a retroatividade. "Ainda assim, não vejo qualquer chance de os ministros tomarem uma medida que gere insegurança jurídica", diz o parlamentar.
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