Tributos
Governo mexe em impostos, mas não no sistema
O agravamento da crise econômica mundial fez o governo Dilma Rousseff tomar uma série de medidas na área tributária, na maioria dos casos sem depender do Congresso Nacional. Só em dezembro, um pacote de estímulo ao crescimento reduziu o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) nos financiamentos para pessoas físicas e diminuiu o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) da linha branca (como fogão, geladeira e máquina de lavar). Não houve sinalização, no entanto, de uma mudança mais ampla no sistema tributário.
"Foram apenas alterações circunstanciais, de alguns setores com mais prestígio junto ao governo", critica o professor de Economia Roberto Piscitelli, da Universidade de Brasília. "Se o governo quisesse mudar para valer, por exemplo, poderia mexer nas alíquotas do Imposto de Renda. Aí o cidadão usa o dinheiro a mais no que quiser e precisar, não apenas para comprar geladeira."
Em 2008, uma comissão especial formada na Câmara aprovou uma PEC que trata da reforma tributária. A emenda propõe a unificação das regras de cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviço (ICMS) entre os estados (atualmente há 27 legislações distintas) e cria outros mecanismos contra a guerra fiscal. Desde o começo de 2009, o texto está pronto para ser votado em plenário.
O relator da matéria, deputado Sandro Mabel (PMDB-GO), diz que a proposta continua atual e "há clima" para que ela seja aprovada. "O que falta é vontade política da presidente", cita o parlamentar. Segundo ele, a PEC só não foi adiante no ano passado porque José Serra (PSDB), então governador de São Paulo, articulou-se contra a emenda.
"O Lula era favorável, mas o Serra entrou de sola às vésperas da eleição e o projeto não andou. Agora a situação é diferente", complementa Mabel. O peemedebista também critica as mudanças tributárias feitas por conta própria pelo governo. "São incentivos sazonais. A reforma criaria um ambiente mais favorável à economia como um todo."
O recorde de popularidade para um primeiro ano de mandato e o apoio de uma maioria de quase 80% no Congresso Nacional não foram suficientes para o governo Dilma Rousseff ajudar a derrubar dois dos maiores tabus legislativos brasileiros, as reformas política e tributária. Após passarem em branco nas gestões FHC e Lula, ambas permanecem emperradas. Devem continuar assim em 2012, ano de eleição municipal, época em que os parlamentares costumam evitar votações polêmicas.
Desde 1967, os parlamentares discutiram 20 propostas de reforma tributária, enquanto sete grandes debates sobre reforma política ocorreram a partir da promulgação da Constituição de 1988. Uma proposta de emenda constitucional (PEC) com mudanças sobre tributos está pronta para ser apreciada pelo plenário da Câmara dos Deputados desde 2009. Já os projetos que tratam de alterações sobre sistemas políticos foram pulverizados entre senadores e deputados ao longo de 2011.
Apesar de estarem nas mãos do Legislativo, os dois temas dependem de um "empurrão" do Executivo, algo que foi prometido por Dilma durante a campanha eleitoral e no discurso de posse. "É tarefa indeclinável e urgente uma reforma política com mudanças na legislação para fazer avançar nossa jovem democracia", disse ela no dia 1.º de janeiro. Sobre o sistema tributário, disse ser "inadiável" a implementação de medidas modernizadoras.
"É o governo que comanda a agenda do Legislativo. Temas que ele não se interessa não andam", disse o cientista político Valdir Pucci, da Universidade de Brasília. A expectativa era que Dilma usasse o começo da gestão para patrocinar as reformas ainda mais porque, segundo pesquisa CNI/Ibope divulgada no último dia 16, ela encerrou o primeiro ano de governo com 56% de aprovação índice bem superior ao de Lula (41%) e FHC (43%).
Nas mudanças políticas, é cada um por si
Deputados e senadores começaram a se articular logo no começo de fevereiro pela reforma política. Após desentendimentos, no entanto, Senado e Câmara decidiram formar comissões próprias para debater o tema. Na primeira Casa, as mudanças foram fatiadas em quatro projetos de lei (PLs) e sete PECs. Na outra, houve a tentativa de elaborar um PL para abarcar todos os assuntos, mas o texto não chegou a ser finalizado.
As discussões avançaram entre os senadores em menos de dois meses, mas com poucos consensos. O tema mais polêmico foi a escolha de um novo sistema de votação nas eleições para vereador e deputado estadual e federal. Com apoio do PT, prosseguiu a proposta de listas fechadas, na qual o eleitor vota no partido, a partir de uma lista preordenada de candidatos.
Oito dos 11 textos originais se enroscaram pelas comissões, inclusive o que trata da adoção de listas fechadas. Três PECs estão prontas para ser apreciadas pelo plenário do Senado desde outubro. Nenhuma traz mudanças estruturais.
Uma reduz de dois para um o número de suplentes de senador e impede a escolha de parentes até segundo grau do titular. Outra fixa em cinco anos os mandados de presidente, governadores e prefeitos e muda a data das posses do dia 1.º de janeiro para os dias 5 (prefeitos), 10 (governadores) e 15 (presidente) de janeiro. Por último, há a proposta de que qualquer mudança no sistema eleitoral precisa ser antecedida por um referendo para poder vigorar.
Versões
Na Câmara, o relator da comissão especial, Henrique Fontana (PT-RS), fez várias versões do projeto final, mas já em novembro decidiu jogar a discussão para 2012. "O que está acontecendo é que muita gente vai para a linha da protelação. Mas não diz exatamente o que quer", disse o petista durante a última reunião do grupo.
Como no Senado, o impasse gira em torno da escolha do sistema das eleições para os parlamentares. Fontana também se recusa a retirar do texto o financiamento público de campanhas. "A reforma política, tanto na Câmara quanto no Senado, subiu no telhado. E não parece que vai descer", resumiu Pucci.
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