O plano do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima PSDB-PB) - que renunciou ao mandato na semana passada(, às vésperas de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para escapar de uma eventual condenação por tentativa de homicídio - corre o risco de dar errado. Na tarde desta segunda-feira, os ministros começaram a discutir a possibilidade de julgar o ex-parlamentar mesmo após ele ter perdido o foro especial com a renúncia. Como o caso estava pautado para esta segunda-feira, boa parte dos ministros considerou oportunista a atitude de Cunha Lima de deixar sua cadeira na última quarta-feira.
Quatro dos 11 ministros - Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Carlos Ayres Britto e Eros Grau - concordaram em julgar o processo do ex-deputado mesmo após a renúncia. A ministra Cármen Lúcia Rocha deu sinais que votará da mesma forma. No entanto, ela pediu vista e a discussão foi adiada. A ministra prometeu devolver o caso ao plenário, no máximo, na próxima semana. O principal defensor da tese contrária aos interesses de Cunha Lima foi Peluso. Para ele, a renúncia, nas circunstâncias em que foi feita, configura uma fraude.
- Um ato de renúncia como direito subjetivo atende a conveniência de seu titular no seu projeto de vida. Quando, porém, o ato perde este caráter vivencial, ele pode assumir um caráter de fraude. Esse problema me parece extremamente grave. Se fosse um ato praticado no início do processo, no meio do processo, eu não teria nenhuma dúvida em dizer que estava absolutamente conforme a norma jurídica. Não, porém, se às vésperas do julgamento por esta corte ele assume contornos mais ou menos nítidos para impedir a incidência da norma - afirmou Peluso.
O ministro ainda ressaltou que, se Cunha Lima não for julgado, será aberto um precedente "extremamente perigoso", que levará o tribunal a investigar um determinado caso por décadas para, ao fim do processo, jogar tudo no lixo. Apenas a presidente da Corte, Ellen Gracie Northfleet, não se manifestou sobre o assunto na sessão desta segunda-feira. Os outros seis ministros não estavam presentes.
A ministra Cármen Lúcia lembrou um precedente importante, o do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Apesar de ter renunciado ao mandato antes da abertura do processo de impeachment, ele acabou sendo condenado pelo Senado com uma pena alternativa: a perda dos direitos políticos. Collor recorreu ao STF argumentando que a condenação não poderia ter sido aplicada, já que renunciou antes da instauração do processo. Na ocasião, o STF manteve a decisão do Senado.
Cunha Lima é acusado de balear seu adversário político Tarcísio Buriti em 5 de dezembro de 1993 num restaurante, diante de várias testemunhas. Depois de 12 anos tramitando na mais alta corte do país, o processo finalmente seria concluído nesta segunda-feira, conforme previsto na pauta de julgamentos do tribunal. Com a renúncia, Cunha Lima deixou de ter foro privilegiado no STF e o processo será transferido para a primeira instância do Judiciário. A manobra dá sobrevida ao deputado, que ganhará tempo com os trâmites processuais.
A atitude de Cunha Lima deixou o ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, revoltado na semana passada.
- Tivemos um esforço enorme para colocar um processo como este em pauta e acontece isso. O ato dele é um escárnio para com a Justiça brasileira. Durante 14 anos, o deputado usou de todas as chicanas processuais para escapar da justiça. Ele tem o direito de renunciar, mas é evidente a segunda intenção de impedir que a Justiça funcione. Agora, o processo vai para a primeira instância e vai durar pelo menos mais dez anos. Vai começar tudo do zero. Espero que haja juízes corajosos e independentes na Paraíba para julgá-lo - disse o ministro na quarta-feira passada.
O réu não nega a autoria dos disparos, mas alega legítima defesa de sua honra para ter agido dessa forma. Se for mesmo julgado e condenado pelo STF, o deputado poderia ficar consagrado como o primeiro sentenciado pela corte máxima, que não registra em sua história nenhuma condenação.
O caso de Cunha Lima chegou ao STF em junho de 1995. Em 2002, a corte aceitou a denúncia do Ministério Público e transformou o inquérito em ação penal. Ao longo dos anos, foram ouvidas testemunhas e colhidas provas contra o réu. Recentemente, o parlamentar e seu inimigo haviam apresentado as alegações finais no processo, que não tinha mais pendências e aguardava o julgamento final dos ministros em plenário.
Quando atirou em Buriti, Cunha Lima era governador da Paraíba. Ele admite que entrou num restaurante em João Pessoa e viu que Buriti, seu antecessor no cargo, almoçava em uma das mesas com outros políticos. Um breve diálogo entre os dois antecedeu os dois tiros. Cunha Lima precisou ser contido por outras pessoas presentes ao local para não dar outros disparos. Em sua defesa, o parlamentar alega legítima defesa. Segundo Cunha Lima, Buriti já tinha feito ameaças de mortes e, no restaurante, deu indícios gestuais de que iria atacá-lo.
O Ministério Público denunciou Cunha Lima ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), foro indicado pela Constituição Federal para processar e julgar governadores. Mas, na época, era necessário obter o aval da Assembléia Legislativa para abrir a ação penal. O órgão negou o pedido feito pelo STJ. Em 1994, Cunha Lima foi eleito senador. No ano seguinte, o caso foi transferido para o STF, foro que investiga e julga integrantes do Congresso Nacional. O Senado não autorizou a abertura do processo.
Em 2001, a Emenda Constitucional 35 derrubou a necessidade de autorização para a abertura de processo. No ano seguinte, o STF aceitou a denúncia e o inquérito passou a tramitar como ação penal. Apenas quatro meses após a denúncia ter sido aceita o STF conseguiu tomar o depoimento do réu, primeiro ato do processo criminal.
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