Acordos extrajudiciais renderam R$ 764 milhões a empresas
Agência O Globo
Negociações conduzidas pelo ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-gerente-executivo de sua diretoria Pedro Barusco levaram a estatal a pagar pelo menos R$ 764,9 milhões em 56 transações extrajudiciais - mecanismo que permite a fornecedores fazer acordos com a contratante quando os contratos já estão encerrados e para evitar que divergências sobre pagamentos cheguem à Justiça.
Levantamento do jornal O Globo em documentos classificados como sigilosos pela estatal mostra que os dois funcionários, acusados de corrupção no âmbito da operação Lava-Jato, da Polícia Federal (PF), tinham poder dentro da companhia para levar à diretoria executiva soluções com risco de lesar a empresa.
Sob orientação da dupla, a estatal pagou milhões a fornecedores que alegaram prejuízos decorrentes de raios e chuvas, condições de solo imprevistas e até descoberta de formigas em extinção em área de obra.
Em apenas um dos acordos avalizados pela dupla, a estatal aceitou pagar R$ 112,8 milhões ao consórcio Propeno, formado por duas investigadas na operação da PF, a UTC Engenharia e a Odebrecht, a título de "serviços complementares e excepcionalidades" relacionados à construção da unidade de propeno da Refinaria Henrique Lage, em São José dos Campos (SP).
Outro lado
Procuradas pelo Globo, Petrobras e UTC não quiseram se manifestar. A Odebrecht informou que seus contratos "foram firmados em total regularidade" e que "a transação extrajudicial é um procedimento comum". Argumentou também que seu contato com a Petrobras ocorre "dentro da lei, com ética e transparência".
Justiça
Força-tarefa vai denunciar 11 ligados às empreiteiras
A força-tarefa da Operação Lava Jato considera ter provas para pedir a condenação de 11 executivos das empreiteiras Camargo Corrêa, OAS, Mendes Júnior, Galvão Engenharia, UTC Engenharia e Engevix, como parte do esquema de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa envolvendo o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa e o doleiro Alberto Youssef.
A acusação trata do braço do PP no esquema de propina de 1% em grandes contratos da estatal, via diretoria de Abastecimento, entre 2009 e 2014. É a primeira denúncia envolvendo empreiteiros. O plano da força-tarefa é fazer outras, usando indícios contra os demais partidos citados no escândalo, como PT e PMDB.
Essa primeira peça trará ainda elementos fundamentados principalmente no esquema que teria atuado em duas grandes obras da estatal: a refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, e o Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj).
A denúncia será apresentada pelo Ministério Público Federal à Justiça Federal de Curitiba até a segunda semana de dezembro.
Os onze executivos presos cautelarmente na carceragem da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, desde o dia 14, o ex-diretor de Abastecimento e Youssef - esses dois presos desde março - serão acusados formalmente por organização criminosa, lavagem de dinheiro e corrupção.
Com os desdobramentos da sétima fase da operação Lava Jato, surgiram teses durante a semana de que o Brasil "pararia" caso as empreiteiras investigadas recebam o selo de inidoneidade e fiquem impedidas de contratar com o governo. O cenário de caos nas grandes obras de infraestrutura nacionais - anunciado pelo presidente do Tribunal de Contas da União, ministro Augusto Nardes, e por interlocutores do governo -, é considerado exagerado, segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo.
Caso as companhias realmente sejam condenadas em um processo administrativo e se tornem inidôneas, a administração pública federal tem total capacidade e liberdade para facilitar a atuação de outras empresas no mercado de grandes obras. Existem duas possibilidades: chamar empresas de fora do país ou empresas nacionais de médio porte.
"Embora essas empreiteiras que estão sendo investigadas sejam importantes, elas não são detentoras de tecnologia de uso restrito. Outras empresas, que hoje são médias, podem substituí-las nos grandes contratos", afirma Carlos Ari Sundfeld, professor de direito administrativo da FGV de São Paulo. De acordo com o especialista, os futuros processos licitatórios do governo federal podem ser realizados de modo adequado para caberem nas capacidades operacionais dessas empresas.
Preferência
O Brasil sempre optou por proteger as empresas nacionais e dificultar a atuação dos grupos internacionais. Sundfeld explica, porém, que não há restrição legal que impeça a atuação de empreiteiras estrangeiras no mercado brasileiro. "Existem grandes empreiteiras do mundo loucas para entrar no Brasil. Se essas grandes empreiteiras nacionais ficarem impedidas, as internacionais também podem suprir com muita competência técnica a falta delas", diz.
Além disso, em casos em que o ônus para a administração seja muito grande, penas alternativas podem ser consideradas, inclusive para a conclusão de contratos investigados que ainda estejam vigentes. "É uma tese nova, que já chegou no país, mas ainda não tem previsão legal. O que me parece é que pode ser levada em consideração em alguns casos", afirma o especialista em direito constitucional Flavio Pansieri, professor da PUCPR.
CGU já declarou 30 empresas como inidôneas
O selo de inidoneidade é uma punição administrativa que ocorre a partir da instauração de um processo normalmente pela Controladoria Geral da União (CGU), mas também pode acontecer pelo Tribunal de Contas da União (TCU) ou até mesmo pelo órgão que contratou o serviço (no caso de uma grande obra, o ministério do Planejamento). Desde 2007, a CGU declarou 30 empresas brasileiras como inidôneas e aplicou a sanção suspensiva a outras cinco.
As sanções, previstas na Lei 8.666/93, a conhecida lei das licitações, vão desde o ressarcimento ao erário dos valores obtidos irregularmente, multa, suspensão ou anulação de contratos vigentes até a proibição de participar de novos certames licitatórios promovidos pela administração pública.
De acordo com a CGU, quando é declarada inidônea, a empresa fica proibida de celebrar novos contratos com qualquer órgão ou entidade da administração pública brasileira (seja da União, estados ou municípios), em qualquer um dos três poderes (Executivo, Legislativo ou Judiciário), por pelo menos dois anos.
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