O Palácio das Princesas, no Recife, amanheceu cercado por tropas no dia 1.º de abril de 1964. O governador de Pernambuco, Miguel de Alencar Arraes, seria um dos primeiros alvos da ditadura militar, instalada por golpe de Estado durante a madrugada. Filiado ao Partido Social Trabalhista (PST), ele era um dos principais aliados do presidente deposto, João Goulart. Seu nome apareceu na primeira lista de cassação de direitos políticos publicada pelo regime.
Acusado de apoiar as Ligas Camponesas, que lutavam pela reforma agrária no sertão nordestino, Arraes foi preso e confinado na ilha de Fernando de Noronha. Depois de um ano entre cadeias de Pernambuco e do Rio, conseguiu a liberdade por hábeas-corpus, concedido pelo Supremo Tribunal Federal. Um mês depois, foi enquadrado pela Lei de Segurança Nacional por ter assinado um manifesto contra o arbítrio dos inquéritos policiais-militares. Ameaçado de nova prisão, asilou-se na embaixada da Argélia até transferir-se para o país, em 16 de junho de 1965.
Exilado na Argélia, levantou a bandeira da Anistia
O exílio não interrompeu a trajetória política do cearense de Araripe, formado em Direito, que começou na política como deputado estadual e prefeito do Recife. Na Argélia, Arraes escreveu livros contra a ditadura, apoiou o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), criado após a implantação do bipartidarismo no país, e atacou a Frente Ampla, articulada por Carlos Lacerda, João Goulart e Juscelino Kubitschek para unir a oposição aos militares. Em 1978, depois de um encontro com Leonel Brizola em Lisboa, o ex-governador empunhou a bandeira da anistia ampla, geral e irrestrita. A vitória permitiu sua volta ao país, em 15 de setembro de 1979.
Convidado pelo deputado Ulysses Guimarães, Arraes participou da fundação do PMDB, mas foi boicotado pela ala moderada do partido. Eleito deputado federal, liderou as reivindicações da chamada "esquerda independente" do PMDB ao governo Sarney, como a moratória da dívida externa. Em 1986, Arraes voltou ao Palácio das Princesas, com o lema eleitoral "Entrar pela porta que saiu". No governo, enfrentou uma seqüência de greves do funcionalismo estadual. As divergências com a cúpula do PMDB sobre a eleição presidencial de 1989, quando criticou Ulysses por não formar uma frente popular contra a candidatura de Fernando Collor, o levaram a migrar para o PSB.
Precatórios e greve da PM precipitaram declínio
Arraes renunciou ao governo para voltar à Câmara em 1990. Dois anos depois, assumiu o comando do PSB e começou a articular a aliança com o PT para a candidatura de Lula ao Planalto, em 1994. Eleito para seu terceiro e último mandato como governador de Pernambuco, foi envolvido nas denúncias de emissão irregular de precatórios e enfrentou uma greve de 11 dias da PM, que gerou uma onda de violência no Recife.
A crise foi a senha para o início de seu declínio político. Em 1998, Arraes viu frustradas as negociações para atrair Ciro Gomes ao PSB e foi obrigado a apoiar Lula novamente. No front interno, viu sua imagem desgastada pela onda de saques promovida pelo MST - que, por decisão sua, não foi reprimida pela polícia. A situação se complicou quando a Procuradoria Geral da República recomendou ao STJ a quebra de seu sigilo telefônico, em razão do caso dos precatórios. Candidato à reeleição, Arraes foi derrotado no primeiro turno pelo atual governador de Pernambuco, Jarbas Vasconcelos (PMDB).
De volta a Brasília, apoio a Lula e neto na Esplanada
Em 2002, aos 86 anos, voltou a Brasília para integrar a base de sustentação do governo Lula na Câmara. Depois da morte do ex-governador Leonel Brizola, no ano passado, passou a ser o único líder de esquerda em atividade desde os anos 60. Em abril passado, a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça aumentou sua aposentadoria de R$ 2 mil para R$ 8,3 mil, com indenização retroativa de R$ 150 mil.
Em 12 de maio, Arraes participou de um almoço com Lula e o presidente da Argélia, Abdlaziz Bouteflik, em Brasília. Lula se declarou grato aos africanos pela acolhida de seu velho aliado durante o exílio.
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