Depoimentos e evidências divulgados nesta terça-feira, 29, pela Comissão Estadual da Verdade do Rio apontam que militantes da organização guerrilheira Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) foram executados por agentes da repressão na chamada Chacina de Quintino, na zona norte, em março de 1972. Em sessão pública marcada por depoimentos emocionados de parentes das vítimas, a versão oficial divulgada por órgãos de repressão da ditadura de 1964-85 - segundo a qual os ativistas foram mortos durante confronto armado - foi contestada pela CEV e por parentes dos mortos. Foram encontrados sinais de que pelo menos duas das vítimas foram capturadas com vida - no mínimo uma delas, Maria Regina Lobo Leite de Figueiredo, foi presa e torturada.
"Os indícios são veementes, todo o conjunto probatório mostra um cenário de execução, inclusive há elementos até de tortura antes das execuções", disse o presidente da CEV, Wadih Damous. "De acordo com laudos da época, não havia resquício de pólvora nas mãos, nos dedos, dos militantes. O relato oficial é o de que houve troca de tiros, e eles teriam sido mortos em confronto. Isso não se confirma. Há evidências, hematomas pelos corpos, inclusive mãos esmagadas, o que pode demonstrar que levaram coronhadas de armas pesadas." Dois peritos da Polícia Civil do Distrito Federal, indicados pela Comissão Nacional da Verdade, vão examinar o caso e devem se pronunciar em um mês.
Oficialmente, além de Maria Regina morreram na Chacina de Quintino, Antônio Marcos Pinto de Oliveira e Ligia Maria Salgado de Nóbrega. Todos integravam a VAR-Palmares, organização clandestina à qual pertenceu a presidente Dilma Rousseff, e foram atacados por integrantes do Destacamento de Operações de Informações-Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi) do I Exército na noite de 29 de março. Estavam em um "aparelho" da organização em uma vila na Avenida Suburbana (hoje D. Helder Câmara) 8.985, casa 72 - aparentemente, tentavam desmobilizá-lo pois sabiam que cairia. Perto dali, foi assassinado pela repressão Wilton Ferreira, cujo corpo foi transferido para o Instituto Médico-Legal com os outros três, fazendo crer ser mais um morto no episódio.
Moradores da vila contaram que, a partir do fim da tarde de 29 de março de 1972, desconhecidos se postaram em um terreno em frente à casa, onde havia um matagal. Entre 21h e 22h, os agentes da repressão teriam ordenado a quem estava nas casas que se afastassem das janelas para se proteger e atacaram o "aparelho", abrindo fogo. "Entraram no condomínio e aí aconteceu a gente só ouvia o barulho dos tiros", relatou à comissão, em depoimento divulgado nesta segunda-feira, 28, Alexandre Mendes, de 54 anos, na época um adolescente de 13 anos. "Era muita polícia. Polícia do Exército." Heloísa Helena de Almeida, 69 anos, recordou que uma das mulheres tentou se entregar. "E essa moça (...) ela veio assim se rendendo", narrou. " Aí já viu, né? (ruído de tiro) Pá! E ela caiu ali."
Os demais guerrilheiros tentaram fugir pulando um muro baixo, nos fundos. Pelo menos um conseguiu: era James Allen Luz, codinome Ciro, dirigente da VAR. Ferido na mesma tentativa, Antônio Marcos - ciente de que morreria logo - teria dito ser James, e a morte do líder da organização chegou a ser noticiada. Maria Regina não morreu ali e foi outra inicialmente identificada de forma errada, como Ranúsia Alves de Oliveira. Socorrida, foi levada a uma unidade militar e submetida a tortura, segundo apuração da comissão. Um contato da família nas Forças Armadas, porém, poucos dias depois avisou que seria declarada morta. À noite, a foto de Maria Regina foi exibida na televisão, em notícia sobre a morte em "tiroteio". A versão oficial saiu nos jornais de 6 de abril de 1972.
Catarse
Nesta terça, Parentes dos três jovens mortos visitaram a vila. "Quando cheguei lá na casa, precisa fazer uma catarse, precisava chorar", contou Fátima Setúbal, irmã de Antônio Marcos. "Hoje fizemos o enterro simbólico." Ela relatou que o velório e sepultamento do irmão, no Cemitério de São João Baptista, foi feito sob vigilância de policiais, que ameaçavam e insultavam a família do guerrilheiro, de origem portuguesa e muito católica. "Quando minha mãe começava a rezar e a chorar mais alto, eles chegavam e diziam: `Não pode rezar alto. Não pode falar alto", relatou.
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