Antropologia
Imoralidade e ilegalidade são estigmas que enfrenta quem decide recorrer a aborto, diz antropóloga
Parte dos recentes debates sobre a possibilidade de realização de plebiscito para que a população se manifeste quanto à legalização do aborto no Brasil foi motivada por declarações do novo ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que teria se posicionado favoravelmente à consulta. Segundo ele, o grande número de abortos realizados ilegalmente no país, e de forma precária, pode ser considerado caso de saúde pública. "Fingir que isso não existe é uma atitude hipócrita", afirmou o ministro, em audiência pública na Câmara, na terça-feira (10).
Temporão acredita que a legalização possibilitaria a redução do número de mulheres mortas em decorrência de abortos mal-sucedidos. Para o ministro, pela importância do tema, ele deveria ser submetido a uma consulta popular, mas ressalta que essa é a sua posição como ministro, e que o governo ainda não fechou posição sobre o assunto. "Eu, como sanitarista e como ministro, estou lutando e já estou fazendo isso para que a sociedade discuta de maneira aberta", disse Temporão, em evento nessa quinta (12).
No entanto, ele explica que este não deve ser o eixo da política de direitos sexuais reprodutivos no Brasil. O ministro quer chegar a um estágio em que a necessidade de aborto seja uma exceção. "Se nós temos acesso à informação, à educação, e se os casais e as mulheres puderem ter acesso aos métodos conceptivos, nós vamos ter uma situação em que eventualmente pode surgir uma situação como essa [aborto]. É o contrário do que existe hoje, que por falta de informação e de acesso aos métodos, as mulheres se vêem numa situação de profunda solidão, sofrimento físico e psíquico, com uma culpa enorme, tendo que lançar mão de se colocar numa situação de extrema fragilidade que leva à morte, a seqüelas e a doenças", disse".
Para Temporão, a solução para que o planejamento familiar seja colocado em prática no país passa pela educação e pela ampliação do acesso aos métodos anticoncepcionais. Ele admite que o sistema existente hoje, de distribuição de métodos contraceptivos nos postos de saúde, não é eficiente e afirma que o Ministério da Saúde vai discutir com os estados e municípios um mecanismo para garantir maior fluxo desses produtos.
"A minha avaliação é de que nós temos um problema ainda grave, que é o de garantir cotidianamente, permanentemente, na rede de serviço de saúde, o acesso aos métodos. É muito comum, mulheres, casais, procurarem os métodos nos postos dos centros de saúde e não encontrarem com regularidade. Às vezes, encontram durante alguns meses, e faltam durante outros meses", afirma o ministro.
De acordo com o Ministério da Saúde, no ano passado foram feitas mais de 220 mil internações para a realização de curetagens pós-aborto, que é um procedimento realizado nos casos de complicações decorrentes de abortamentos espontâneos e inseguros. Enquanto isso, houve apenas 2 mil abortos por razões médicas e legais. O Ministério da Saúde não sabe informar quantas dessas curetagens foram feitas por causa de abortos espontâneos e quantas foram necessárias por causa de abortos realizados em condições inseguras.
A cada ano, ocorre cerca de 1 milhão de abortos espontâneos e inseguros. Este número não contempla os abortos por razões médicas e legais, ou seja, aqueles permitidos pelo Artigo 128 do Código Penal Brasileiro, que trata de risco de morte para a mulher e de gravidez resultante de estupro.
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