Pela primeira vez desde o início da Operação Lava Jato, o juiz federal Sergio Moro concedeu uma entrevista, na qual criticou a nova lei de abuso de autoridade, sugeriu mudanças no foro privilegiado e comentou apenas os casos já julgados por ele, sem tratar dos processos que ainda estão em sua mesa. Falando aos jornalistas Fausto Macedo e Ricardo Brandt, do jornal O Estado de S.Paulo, Moro ainda reforçou que a sociedade precisa continuar apoiando as Dez Medidas Contra a Corrupção.
Para Moro, a redação do projeto de lei que pretende mudar a legislação sobre abuso de autoridade tem uma redação ambígua, que abriria até mesmo a possibilidade de um promotor ou procurador ser alvo de ação penal caso oferecesse uma denúncia que fosse recusada pela Justiça por não ter “justa causa” na avaliação do juiz. “Vai colocar autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, polícia e Ministério Público numa situação em que possivelmente podem sofrer acusações, não por terem agido abusivamente, mas sim porque adotaram uma interpretação que eventualmente não prevaleceu nas instâncias recursais ou superiores”.
O juiz responsável pela Lava Jato ainda sugeriu que o foro privilegiado fosse restrito a um número bem menor de autoridades que o atual. “Quem sabe, os presidentes dos três poderes e retirar esse privilégio, essa prerrogativa, de um bom número de autoridades hoje contempladas”, sugere, ressaltando que o Supremo Tribunal Federal tem feito um bom trabalho, mas enfrenta limitações de estrutura. “É um número limitado de juízes e é uma estrutura mais limitada. O Supremo não tem só esse trabalho à frente, tem todos os casos constitucionais relevantes e não pode se transformar simplesmente em uma corte criminal”, explicou.
Lava Jato
Moro rejeitou quaisquer insinuações de que estaria perseguindo ou poupando determinados partidos na Lava Jato. “Processo é uma questão de prova”, afirmou mais de uma vez. Mas explicou por que, por exemplo, apenas tesoureiros do PT foram presos até o momento. “Quando isso [as denúncias de propina] foi de fato comprovado, é natural que apareçam nos processos exatamente aqueles agentes políticos que pertenciam à base de sustentação do governo”, disse, ressaltando que os processos já julgados por ele incluem políticos de outros partidos, não apenas do PT.
O magistrado ainda considera que o país tem capacidade de enfrentar as consequências de qualquer delação premiada “bombástica”, como por exemplo a do ex-deputado Eduardo Cunha, e rejeitou as acusações de que a Lava Jato prende para conseguir delações. “Sempre as prisões têm sido decretadas quando se entende que estão presentes os fundamentos das prisões. Quando se vai olhar mais de perto os motivos das prisões, se percebe que todas estão fundamentadas. Pode até se discordar da decisão do juiz, mas estão todas fundamentadas. Estamos seguindo estritamente o que a lei prevê”, afirmou.
Carreira
Moro negou enfaticamente qualquer pretensão de entrar na política. “Sou um homem de Justiça e, sem qualquer demérito, não sou um homem da política. (...) existe muito mérito em quem atua na política, mas eu sou um juiz, eu estou em outra realidade, outro tipo de trabalho, outro perfil”, disse. Questionado sobre chegar um dia ao Tribunal Regional Federal ou a um tribunal superior, Moro disse que pensar na carreira é “algo natural”, “mas isso não é algo que não está no meu horizonte próximo. Não fico meditando sobre isso”.
O apoio popular e a fama que Moro conquistou também foram mencionadas na entrevista. O juiz explicou que identificar a Lava Jato com o juiz é uma simplificação, pois há muito mais pessoas envolvidas, em vários órgãos, como a Polícia Federal, o Ministério Público e a Receita Federal. “Mas tudo é passageiro, não é?”, completou, citando o adágio latino sic transit gloria mundi, – “a glória mundana é passageira”, traduziu o próprio Moro.
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