A agressão é o principal motivo que leva pais à Justiça, mas o que mais mata crianças é a negligência nos cuidados. Carlos Alberto Legal, que na semana passada esqueceu o filho dentro do carro, pode obter o perdão judicial pela morte da criança, que tinha um ano e três meses, mas o momento de descuido serve como alerta para outros pais. Por ano, cerca de 6 mil crianças morrem no país por conta de acidentes - fatores externos que vão de incidentes em casa ou no trânsito. Para o médico Mário Hirschheimer, secretário-geral da Sociedade de Pediatria de São Paulo, a negligência dos país é a principal causa.
- A agressão física choca todo mundo, mas o que mata mais é a negligência e isso, infelizmente, não aparece tanto - disse Hirschheimer.
Luciana O'Reilly, coordenadora nacional da Organização Não Governamental (ONG) Criança Segura, explicou que os acidentes (de trânsito, afogamento, queimaduras, quedas e intoxicações) são a principal causa de mortalidade de crianças até 14 anos. Segundo ela, mais de 90% dos acidentes poderiam ser evitados pelos pais.
Mais de 1.200 crianças morrem por ano atropeladas. Outras 600 perdem a vida por falta de segurança adequada no carro (falta de cinto de segurança ou viajar no banco de trás). As mortes por afogamento chegam a 1.500 por ano no pais, por sufocação atingem 771, por queimaduras 420 e por quedas, 289. Os dados, do Ministério da Saúde, são de 2003 (últimos dados disponíveis).
- E o problema não é só com a morte. Para cada acidente com morte são registrados outros quatro que deixam seqüelas às crianças. A morte é apenas a ponte do iceberg. Muitas crianças ficam com seqüelas para a vida toda: com paralisia cerebral ou tetraplégica - disse Luciana.
Ao todo, segundo ela, 140 mil crianças são hospitalizadas anualmente por conta de acidentes. A coordenadora da ONG disse que tragédias como essa servem para reflexão e mudança de atitude. Todo ano, no mês de outubro, a ONG Criança Segura dedica uma semana para conscientizar a população em uma campanha sobre acidentes com os baixinhos.
Na madrugada desta segunda-feira um bebê de dois meses morreu sufocado pelo cinto do carrinho em que dormia, em Campinas, a 100 quilômetros da capital paulista. A mãe disse à polícia que prendeu a criança com o cinto na altura da barriga e foi dormir na cama, ao lado do carrinho. A polícia acredita que a criança tenha se mexido à noite e escorregado, fazendo com que o cinto espremesse o seu peito, impedindo a respiração.
- Esse é um problema de saúde pública. Antes, as crianças morriam de diarréia, sarampo. Hoje não é mais isso. Elas morrem de acidentes e é preciso criar mecanismos contra isso - disse Hirschheimer.
Dentro de casa, muitas crianças já morreram envenenadas ao ingerir material de limpeza guardados inadequadamente em garrafas de refrigerantes. Outras já perderam a vida por tanques instalados inadequadamente e que caíram. Hirschheimer disse que muita gente percebe a situação de perigo, mas acaba não alertando os pais "para não agir como intrometido".
- Não se meter na vida dos outros tem limite. A suspeita de maus-tratos e de negligência contra uma criança não é uma falsa acusação. Um professor que perceber isso, por exemplo, tem que denunciar - afirmou Hirschheimer.
Para ele, se a pessoa decidiu ter filhos, ela precisa ir até o fim, ou seja, precisa arrumar uma infra-estrutura para cuidar da criança e verificar se a criança está em um ambiente seguro.
- É preciso ter uma paternidade responsável. Muitas mortes poderiam ser evitadas. Não se pode colocar um acidente como obra do acaso. Algumas crianças já morreram por não terem tomada uma vacina, por exemplo - afirmou Hirschheimer.
A criança que morreu na semana passada em São Paulo foi esquecida por mais de 5 horas no veículo. O bebê teve queimaduras de primeiro e segundo graus. O pai mudou a rotina do dia e acabou esquecendo o bebê no carro. Quando chegou ao hospital, a criança já estava morta.
Em estado de choque, os pais Carlos Alberto e a mulher, Ana Cláudia, não prestaram depoimento. O delegado João Alves de Araújo, do 20º Distrito Policial, disse que ainda não há data para o depoimento. Segundo informações, Carlos Alberto teria ficado internado no final de semana.
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