O ex-senador cassado Luiz Estevão, empresário do ramo da construção em Brasília, financiou a reforma do bloco 5 do Centro de Detenção Provisória (CDP) do Complexo da Papuda, local onde ele está preso, segundo denúncia do Ministério Público do Distrito Federal (MP-DF). O prédio abriga a chamada ala de vulneráveis, destinada a ex-policiais, presos federais e outros detentos que correm riscos se colocados em meio à massa carcerária. Nas celas, há itens considerados um verdadeiro luxo dentro das cadeias, tais como sanitário e pia de louça, chuveiro e cerâmica no chão.
Estevão e a cúpula do sistema penitenciário à época da reforma, entre 2013 e 2014, foram denunciados pelo MP-DF por improbidade administrativa na última sexta-feira (5). O órgão pede ainda a indisponibilidade dos bens dos acusados, entre outras sanções. Na ação, noticiada pela revista Veja e confirmada pelo jornal O Globo, que teve acesso aos documentos, os promotores afirmam que o caso lembra “um marco histórico da criminalidade, quando Pablo Escobar construiu La Catedral, sua própria prisão na Colômbia”.
Justiça ordena prisão imediata do ex-senador Luiz Estevão
Leia a matéria completaAlém do ex-senador, poderão se tornar réus nessa ação de improbidade Cláudio de Moura Magalhães, então subsecretário do Sistema Penitenciário (Sesipe); João Helder Ramos Feitosa, coordenador-geral da área; e Murilo José Juliano da Cunha, diretor do CDP.
Após mais de um ano de investigações, o Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do MP-DF acredita ter reunido provas de que a reforma foi bancada por Estevão, em conluio com os dirigentes da área à época. O próprio ex-senador admitiu, em depoimento, que financiou parte da obra, a pedido do ex-ministro da Justiça do governo Lula Márcio Thomaz Bastos, criminalista famoso, que estaria preocupado com o destino de seus clientes que eram réus no processo do mensalão. Bastos morreu em 2014.
Ex-senador criou “ilha” no complexo prisional
Para os investigadores, ao envolver Bastos no enredo, Estevão tenta ligar o episódio ao caso do mensalão, com um personagem que já morreu, para esconder o verdadeiro motivo da construção: preparar o local que o receberia assim que os recursos protelatórios que ele apresentou à Justiça fossem julgados. Estevão foi condenado em 2006 por desvio de recursos públicos destinados à construção do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo (TRT-SP).
A prisão não tardou. Em setembro de 2014, poucos meses depois de finalizada a obra, Estevão foi detido, conduzido inicialmente para São Paulo, por falsificação de documentos. Um mês depois, teve atendido o pedido para vir para a Papuda, onde foi colocado na ala de vulneráveis. Saiu depois de progredir de regime, mas voltou, em março deste ano, depois do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que condenados em segunda instância devem ser presos. Mais uma vez, garantiu o lugar no prédio que mandou reformar.
Segundo as investigações, Estevão determinou à arquiteta Debora Lima Ribeiro, do Grupo OK, do qual ele é dono, que contratasse uma empresa fantasma, sem endereço funcional ou empregados, para executar a obra no presídio. A firma de fachada era mais uma manobra, conforme os promotores, para afastar qualquer ligação entre a reforma e Estevão. Mas ficou demonstrando, segundo o MP, que ao menos parte dos empregados e o material adquirido pela empresa eram pagos, ao final, pelo grupo OK.
Notas fiscais comprovam a origem do material empregado na obra do CDP e na construção de um galpão para abrigar os arquivos do sistema penitenciário que tiveram de ser retirados do local. Trabalhadores também foram ouvidos durante as investigações.
Na ação, os promotores do Núcleo de Controle e Fiscalização do Sistema Prisional do MP assinalam que Estevão “criou uma verdadeira ilha no complexo prisional, com ambientes salubres, utensílios diferenciados e funcionamento totalmente diferentes das demais unidades”. Mais adiante, concluem: “Permitir ao preso assumir o controle de sua pena é vulnerar a própria concepção de Estado e seu monopólio da força”.
Estevão está preso hoje numa cela da ala de vulneráveis ao lado de Ramon Hollerbach e Henrique Pizzolato, ambos condenados no caso do mensalão. Ao contrário das celas comuns da Papuda - úmidas, lotadas, com fios elétricos à vista, paredes sem pintura e um buraco no chão servindo de privada - o local que abriga o trio é claro, limpo, tem mesas, estantes e televisão. O banheiro conta vaso de louça, cortina na área molhada e itens de limpeza disponíveis.
A reforma no local que se tornou a ala de vulneráveis surpreendeu o MP ainda em fevereiro de 2014. Numa inspeção de rotina, promotoras de justiça se surpreenderam com o local, cheio de itens diferenciados em relação à estrutura precária do presídio. Ninguém sabia dar informações concretas sobre a origem e o financiamento da reforma.
Os promotores classificaram a situação de surreal. Eles dizem, na ação, que o “caso poderia configurar o enredo de um livro ao estilo de Kafka, no qual o soerguimento de um galpão e a reforma de um bloco inteiro do sistema prisional ocorre sem que ninguém saiba quem os está promovendo, tampouco de onde vêm os recursos”.
Com a obra pronta, o MP agiu de duas formas. Uma delas foi obrigar o sistema penitenciário a ocupar a ala de vulneráveis, que recebia, até então, alguns réus do mensalão e José Carlos Alves dos Santos, personagem do caso de corrupção conhecido como Anões do Orçamento. Dessa forma, presos idosos ou doentes foram transferidos para o local. Em outra frente, os promotores buscaram a origem misteriosa da obra feita na surdina.
O MP assinala que, em 15 de julho de 2013, ingressou com uma ação pedindo a reforma do mesmo bloco que foi reformado por Estevão por causa da superlotação das unidades prisionais que compõem a Papuda. O órgão pedia a abertura de celas no local, que abrigava o arquivo. A resposta, de 12 de agosto de 2013, era sobre a impossibilidade de realizar a obra de imediato. A investigação mostrou que no dia seguinte à resposta, a arquiteta do Grupo OK ingressou na Papuda na companhia do representante da empresa terceirizada.
“No decorrer da investigação, ficou demonstrado que quando o então subsecretário respondeu ao MPDFT já havia aceitado a demanda do ex-senador Luiz Estevão para reformar o local a seus moldes”, dizem os promotores na ação.
Perguntado sobre as instalações da Papuda, o advogado de Luiz Estevão, Marcelo Bessa, não quis comentar. Os demais citados na ação do MP não foram localizados pela reportagem.
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