Entrevista
Alessandro José Fernandes de Oliveira, procurador regional eleitoral no Paraná
Qual o grande problema da resolução do TSE e quais serão os efeitos práticos?
Os efeitos vão depender da postura dos juízes eleitorais. O problema é essa instabilidade prática. Ficamos na dúvida em termos de mecanismos jurídicos: se o juiz indeferir [o pedido de investigação], quais serão os recursos? Qual seria o papel do Ministério Público? Recorrer? Se a proposta vingar, a tendência é que os tribunais assentem qual será o recurso cabível.
O senhor vê algum paralelo entre a resolução do TSE e a PEC 37, que reduzia o poder de investigação do MP?
Vejo com mais preocupação as consequências práticas, até da imparcialidade do órgão julgador. E me preocupam alguns fundamentos lançados, como a ausência de controle todos os atos do MP e da polícia são controlados. Mas não vejo essa gravidade a ponto de comparar com a PEC 37. A tendência é que os juízes, até para não terem a imparcialidade ferida, acabem homologando os pedidos. Mas há uma preocupação, pois [determinar a abertura do inquérito] é uma prerrogativa que a Constituição nos dá. Não seria por uma resolução que se limitaria essa prerrogativa.
Pode haver uma demora maior na investigação dos crimes eleitorais?
Cria uma fase a mais, mas historicamente a Justiça Eleitoral é rápida. Acho que não demoraria mais de um ou dois dias.
Queda de braço
Entenda a polêmica envolvendo a Resolução do TSE:
O que é
A norma impede o Ministério Público de pedir a instauração de inquéritos para investigação de crimes nas eleições deste ano.
O pedido para abertura de inquérito deve ser aprovado pela Justiça. A Polícia Federal também depende de autorização para abrir o inquérito, a não ser em casos de flagrante.
A regra só vale para as eleições deste ano.
Opiniões favoráveis
Muitas investigações sobre crimes eleitorais não chegam ao fim por falta de consistência.
Sem a resolução, o MP continuaria com o poder de abrir inquéritos que muitas vezes não andam. Sem fatos consistentes, as investigações apenas prejudicariam a imagem dos candidatos.
Opiniões contrárias
A resolução criaria um impasse ao não prever o que pode ser feito caso a Justiça rejeite o pedido para a abertura do inquérito.
A norma pode causar um aumento de demandas do Judiciário.
A apuração de crimes eleitorais pode ficar mais demorada.
O juiz, ao autorizar ou não a abertura do inquérito, já estaria se posicionando sobre o caso, o que afetaria a imparcialidade da Justiça.
O TSE não teria poder para alterar essa norma por meio de uma resolução e a restrição seria inconstitucional.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) e procuradores de Justiça pediram ontem que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) volte atrás e derrube a resolução que impede o Ministério Público (MP) de abrir investigações sobre crimes eleitorais. A PGR já tem uma ação pronta para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) caso o TSE mantenha a regra, que poderá dificultar a apuração de crimes como caixa 2 ou compra de votos nas eleições deste ano. Além disso, um grupo de procuradores apresentou ao tribunal uma moção contrária à resolução.
Aprovada pelo colegiado de ministros do TSE em dezembro do ano passado, a Resolução 23.396/2013 estabelece que, a partir das eleições de outubro, a instauração de inquérito para apurar crimes eleitorais deverá ter autorização do juiz eleitoral. Para o procurador-geral da República e procurador-geral Eleitoral, Rodrigo Janot, a norma é inconstitucional, pois limita o poder de investigação do Ministério Público. O relator da matéria no TSE, ministro Dias Toffoli, argumenta que muitos processos sem aval da Justiça têm sido anulados. Ele diz que a norma deve trazer "mais transparência" às investigações.
"A perspectiva é que o tribunal eleitoral ceda ao pedido, sob pena de ver a resolução questionada no STF acerca de sua constitucionalidade", afirmou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Alexandre Camanho, que participou da reunião de ontem entre procuradores e representantes do TSE. Segundo ele, não foi definido um prazo. "Não há um prazo, o que existe é um bom senso coletivo. A resolução já está em vigor e já pode haver obstruções aos poderes do MP."
Análise
No entender dos especialistas, a resolução deixa um vazio ao não estipular os passos seguintes no caso de a Justiça recusar a abertura do inquérito. "Não há uma previsão. Criou-se uma armadilha sistêmica", define o pós-doutor em Direito e professor da Usininos (RS) Lenio Luiz Streck. "Dizem que o juiz nunca vai negar [o pedido]. Se não vai negar, qual o sentido da resolução? Isso um estagiário pode fazer. E mais: se ele autorizar, estará pré-julgando."
Streck rebate a argumentação sobre os inquéritos parados e diz que a resolução estabelece uma diferenciação no tratamento de crimes e suspeitos. "Argumentar que investigações estão na gaveta é como jogar a criança fora com a água do banho. O que vamos fazer com os processos engavetados, tirá-los do Judiciário?", questiona. "Se queremos punir os crimes eleitorais, temos de dizer que eles são tão ou mais graves quanto furto ou assalto. Não pode haver tratamento diferenciado. Existe um tipo de réu especial?"
Para Alexandre Camanho, as dúvidas são típicas de uma "norma absurda". "No regime brasileiro, quando o Ministério Público requisita a abertura de um inquérito, não é o juiz que vai dizer se pode ou não pode. O MP tem esse poder dado diretamente pela Constituição", afirma. "Se essa resolução prosperar, o Direito Eleitoral será o único gueto do ordenamento jurídico brasileiro, o que é um absurdo. Estamos convictos da inconstitucionalidade da resolução e convictos na lucidez do TSE para rever essa norma", conclui Camanho.
"MP é parte do processo, não o dono", diz advogado
Especialista em questões eleitorais e presidente da Comissão de Direito Eleitoral Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em São Paulo, o advogado Alberto Rollo defende a resolução do TSE. "Ninguém pode bater o escanteio e cabecear ao mesmo tempo", compara. "Não acho que haja nada de inconstitucional na resolução. A Justiça Eleitoral preside o processo. Se o juiz não indeferir o pedido de abertura de inquérito, o Ministério Público que recorra. O MP é parte do processo, não o dono da ação."
Rollo diz que injustiças podem ser cometidas caso a Justiça não autorize a abertura do inquérito. "Durante o regime militar, bastava o pedido de abertura do inquérito para o candidato ficar inelegível. Foi uma briga para mudar isso. Agora o MP abre o inquérito e ele vai para a gaveta, mas a notícia sai no jornal. Não pode ser assim. E não adianta falarem que o MP não faz isso, ele cansa de fazer."
Na contramão
Já para o procurador-geral de Justiça do Paraná, Gilberto Giacóia, a resolução está na contramão das tentativas de moralização da política. "Esse tipo de medida vai na contramão absoluta do que se espera de um país melhor. E justamente no processo eleitoral se traz uma medida que representa quase uma tentativa de resgate da PEC 37. Os argumentos são inconsistentes. Hoje há mecanismos que propiciam o acompanhamento dos procedimentos do Ministério Público e da Justiça quase em tempo real."
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