O Ministério Público Federal em São Paulo denunciou o delegado aposentado Alcides Singillo pelo sequestro e tortura de um líder camponês durante a ditadura militar. Em 28 de outubro de 1975, Manoel Conceição Santos foi detido e levado para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP), onde Singillo atuava.
“O delegado tinha pleno conhecimento da ilegalidade da prisão, participou das crueldades a que a vítima foi submetida e ocultou de autoridades e familiares o fato de Manoel estar sob sua custódia”, diz o Ministério Público Federal em informação publicada em seu site nesta sexta-feira, 12.
O líder camponês ficou preso no Deops/SP durante 48 dias. Nesse período, “sofreu agressões de diversos tipos, como socos, choques elétricos e humilhações. Manoel foi uma das vítimas do ataque sistemático e generalizado empreendido pelo regime militar contra a população civil”, diz o Ministério Público Federal.
Manoel já havia sido preso diversas vezes após o golpe de 1964 por sua ligação com o Sindicato dos Lavradores de Pindaré-Mirim (MA) e o Movimento de Educação de Bases da cidade. “Devido ao contexto de repressão, os crimes cometidos contra o líder são considerados de lesa-humanidade e, portanto, imprescritíveis e impassíveis de anistia.”
Segundo a Procuradoria da República, advogados e parentes buscavam por Manoel desde a data em que foi detido pelos agentes do Deops/SP, mas somente conseguiram a confirmação de seu paradeiro em 18 de novembro de 1975. “Apesar de o prazo de incomunicabilidade vigente à época ser de até 10 dias após a detenção, a defesa pôde visitá-lo apenas em 5 de dezembro”, diz o MP.
O líder camponês foi solto no dia 11 de dezembro de 1975, após um telegrama do Papa Paulo VI ao presidente Ernesto Geisel “conclamando a libertação da vítima”.
Além de Alcides Singillo, outros agentes participaram da prisão, da tortura e da ocultação do paradeiro de Manoel Conceição Santos, entre eles os delegados Sérgio Paranhos Fleury e Romeu Tuma, já falecidos, afirma o Ministério Público Federal.
“A privação da liberdade da vítima nas dependências do Deops/SP foi ilegal porque nem mesmo na ordem jurídica vigente na data de início da conduta delitiva agentes de Estado estavam legalmente autorizados a deter pessoas sem qualquer registro, impingi-las a maus tratos e ainda mantê-las incomunicáveis por tão longo período de tempo, mormente sem qualquer espécie de acusação formal”, afirmam os procuradores da República Ana Letícia Absy e Anderson Vagner Góis dos Santos, autores da denúncia.
Além das sanções previstas para os crimes de sequestro e cárcere privado, os procuradores pedem que a Justiça Federal condene Singillo ao cancelamento de sua aposentadoria, bem como à perda de eventuais medalhas e condecorações que tenha recebido.
Os procuradores indicam ainda circunstâncias agravantes “que devem ser consideradas no momento da definição da pena, entre elas o emprego de tortura e o abuso de autoridade”.
Defesa
O criminalista Paulo Alves Esteves, que defende Alcides Singillo, declarou que a denúncia contra o delegado segue a linha de outras quatro denúncias anteriormente apresentadas pelo Ministério Público Federal contra agentes do regime militar e que acabaram rejeitadas.
O advogado também defendia o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, já morto, que foi alvo de uma sequência de acusações da Procuradoria da República. “A questão central é a aplicação da Lei da Anistia”, assinala Paulo Esteves. “A primeira denúncia nesse sentido que foi rejeitada pela Justiça tinha como acusado o coronel Ustra. Na ocasião, ingressamos com uma Reclamação no Supremo Tribunal Federal que mandou suspender a ação. A Lei da Anistia abrangeu tudo isso”, afirmou.
Paulo Esteves assinalou, ainda, que o delegado Alcides Singillo “não torturou (o camponês Manoel Conceição Santos), nem prendeu ninguém ilegalmente”.
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