Ações da PF são anuladas pela Justiça com frequência
Não é regra, mas são cada vez mais frequentes casos de grandes operações da Polícia Federal (PF) que são desarticuladas por decisões do Poder Judiciário. E uma das causas pode ser justamente a legislação brasileira mais especificamente a desarmonia existente entre o Código de Processo Civil (CPP), que é de 1941, e as normas e leis atuais.
A operação Castelo de Areia ruiu este ano depois que Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou ilegais todas as provas obtidas a partir da quebra do sigilo de dados telefônicos. A Operação foi deflagrada em 2009 para investigar supostos crimes envolvendo a construtora Camargo Corrêa.
Nesta terça-feira, o Ministério Público Federal (MPF) e a PF do Paraná viram parte da Operação Dallas, que investigou irregularidades no Porto de Paranaguá, também desmoronar por causa de uma decisão judicial.
Tentar anular os efeitos de uma operação policial é uma rotina entre os advogados criminalistas. E faz parte do jogo. O jurista e constitucionalista Luiz Roberto Barroso acredita que "é normal e compreensível que advogados criminais explorem aspectos relacionados aos vícios formais de um processo". Mas, ao mesmo tempo, ele entende que há casos de abuso por parte da autoridade que investiga, principalmente nas questões relacionadas a interceptações telefônicas.
Tendo no currículo grandes operações contra o narcotráfico, como a Fênix, que resultou na maior condenação do traficante Fernandinho Beira-Mar, o delegado regional de investigação e combate ao crime organizado da PF do Paraná, Wágner Mesquita de Oliveira, acredita que ainda são exceções casos como a Castelo de Areia e a Dallas.
Para ele, as técnicas utilizadas pela PF são todas acompanhadas de perto pela Justiça de 1.º grau e pelo MPF. Oliveira diz que, quando o caso chega na segunda instância, o magistrado está distante dos fatos e por isso passa a fazer a interpretação jurídica.
Três motivos
O procurador regional da República em Salvador, Vladimir Aras, enumera três motivos pelos quais grandes operações da PF são desconfiguradas quando são questionadas na Justiça: "O emaranhado legislativo criado com sucessivas normas e leis defasadas; a sensibilidade de certos tribunais a teses processuais de violação do processo legal; e, por último, a existência de profissionais que exorbitam suas funções".
Tanto Mesquita quanto Aras, que já foi procurador no Paraná e atuou nas investigações sobre evasão de divisas por meio das contas CC5 do Banestado, dizem ser mais que necessária uma reforma legislativa para harmonizar as novas leis com o CPP.
A Procuradoria Regional da República da 4.ª Região vai recorrer à Justiça para garantir que as provas obtidas pela Polícia Federal (PF) na Operação Dallas não percam a validade. E, para isso, usará as mesmas "armas" que foram usadas pelos investigados que conseguiram anular as provas: irá alegar que a defesa recorreu a um juízo incompetente para anular os dados colhidos na investigação.
A operação da PF prendeu dez pessoas em janeiro deste ano acusadas de envolvimento em supostas fraudes cometidas no porto de Paranaguá. Mas a 7.ª turma do Tribunal Regional Federal (TRF4) tornou sem efeito jurídico as escutas, interceptação de e-mails e os documentos apreendidos na operação.
Entre os crimes investigados no Porto estavam o desvio de cargas a granel, favorecimento de empresas responsáveis pela retirada de resíduos do terminal portuário, além dos crimes de corrupção ativa e passiva, desvio de dinheiro público, superfaturamento, fraude em licitação e formação de quadrilha. Segundo estimativa da Receita Federal à época, apenas os desvios de carga podem ter lesado os cofres públicos em até R$ 8,5 milhões.
Na última terça, o TRF4 decidiu que a vara Federal de Paranaguá era incompetente para autorizar escutas telefonicas na investigação. O procurador Douglas Fischer disse ontem por telefone que vai usar a mesma tese para recorrer da decisão: vai alegar a incompetência da 7.ª turma do tribunal para julgar o caso. Fischer só aguarda a publicação do acórdão para protocolar o recurso.
Para o procurador, o juiz de Paranaguá e o MPF, que atuaram na Operação Dallas, agiram de forma "legítima e consoante com as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao contrário do que entenderam os desembargadores da 7.ª turma". Caso a nulidade das provas seja mantida, Fischer deve ingressar com mandado de segurança no STF para garantir a continuidade das investigações.
Ontem por telefone, o procurador explicou que a competência para julgar ações sobre a Operação Dallas seria da 8.ª turna do TRF4, pois o desembargador Paulo Afonso Brum Vaz, membro desta turma, julgou em janeiro deste ano um pedido de habeas corpus do ex-superintendente da Administração do Porto de Paranaguá e Antonina (Appa), Daniel Lúcio de Oliveira. Desta forma, a competência para julgar casos relacionados à Operação Dallas seria da 8.ª turma pelo critério jurídico da prevenção (o juiz que primeiro atua na causa até o final).
Todas as decisões judiciais que deflagaram a operação Dallas partiram do juiz federal Marcos Josegrey da Silva, da Vara Federal de Paranaguá. Mas os desembargadores da 7.ª turma do TRF4 entenderam que, pela natureza das irregularidades, principalmente a suposta lavagem de dinheiro, a competência para autorizar a investigação seria das varas especializadas em Crimes contra o Sistema Financeiro, da Justiça Federal de Curitiba.
Para o procurador Fischer, no entanto, a decisão que declara a nulidade das provas afronta entendimento do STF tendo em vista que, durante a investigação, havia apenas suspeita de crime de lavagem de dinheiro, considerado crime contra o sistema financeiro. "O juízo de Paranaguá tinha absoluta competência para conduzir o inquérito", disse.
Se os argumentos do procurador forem aceitos pela turma recursal do TRF4, as provas obtidas com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça serão revalidadas. Fato que por si só não garante a continuidade dos inquéritos, explica Fischer, pois o habeas corpus que anulou as provas teria que ser apreciado novamente pela 8.ª turma.
Procurado pela Gazeta do Povo, o advogado Juliano Breda, que obteve a anulação das provas, disse que só vai se manifestar depois de analisar o recurso.
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