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O procurador Carlos Lima: alguns projetos de lei “claramente objetivam a impunidade . | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
O procurador Carlos Lima: alguns projetos de lei “claramente objetivam a impunidade .| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Não é de hoje que a expressão “barrar a Lava Jato” ronda os bastidores de Brasília. Possíveis interferências nas investigações da Polícia Federal (PF) e do Ministério Público Federal (MPF), e tentativas de obstrução da Justiça são cogitadas desde que a operação atingiu grandes centros de poder, como o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Até então, porém, a Lava Jato não parou – e, pelo contrário, só cresceu.

As gravações que atingiram o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), sugerem, no entanto, outra frente de ação, com origem nos próprios políticos. No áudio, ele defende uma alteração na lei que trata da delação premiada, benefício usado por investigadores da Lava Jato para avançar na apuração do esquema. Na proposta sugerida por Renan, o acordo não poderia ser firmado com envolvidos que estejam presos.

Viés pró-corrupção

Procuradores do MPF têm chamado a atenção para iniciativas legislativas que, segundo eles, têm viés “pró-corrupção” antes mesmo da divulgação do áudio do parlamentar – veja quais são os projetos de lei. Uma das últimas brigas encampadas pelos investigadores foi sobre a Medida Provisória (MP) n.º 703/15 que, conforme o procurador Deltan Dallagnol, representava um “retrocesso” aos acordos de leniência firmados por empresas. Por não ter sido votada a tempo, a MP caducou no último domingo (29).

Além dessas iniciativas, o procurador Carlos Lima aponta outros projetos ou legislações do Congresso que, para ele, representam tentativas de “conter danos” a investigados ou condenados em casos como a Lava Jato: a lei de repatriação de recursos mantidos no exterior, sancionada em janeiro; e propostas que pretendem conferir foro privilegiado a ex-presidentes e que mudam o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de prisão a partir da condenação em segunda instância judicial.

“Analisamos aqui medidas que claramente objetivam a impunidade (...). A lei anticorrupção tem um objetivo básico, que é combater a corrupção, não é uma lei de salvação de corruptos. A salvação é para quem cumpre os requisitos da lei. Se nós vamos abrandar a lei anticorrupção para facilitar o salvamento, a lei deixa de ter a finalidade dela”, diz Lima, citando que a Operação Mãos Limpas, na Itália, gerou o mesmo “levante” legislativo, enfraquecendo a proteção anticorrupção do país.

Impactos

O procurador exemplifica os possíveis impactos das iniciativas com uma consequência já sentida quando da expectativa de mudança da legislação dos acordos de leniência, que tiraria das empresas a obrigação de admissão do crime ou de trazer “fatos novos” para a investigação. “Mudando o marco legal ou induzindo elas a acreditarem que vai mudar, as empresas podem interromper as negociações [de acordos] até que a situação esteja definida”, diz.

Para Lima, a medida mais casuística é a do foro para ex-presidentes. “Claramente dirigida à proteção do ex-presidente Lula”, diz o procurador. Já o projeto mais “grave” é o que trata da impossibilidade de prisão de condenados no segundo grau judiciário. “Não existe país em que se exija julgamento em quatro graus. Essa medida [do STF, estabelecendo a prisão na condenação em segunda instância] trouxe muito mais previsibilidade, incentivando acordos de colaboração, porque as pessoas sentem que podem ser presas”, avalia.

Entraves no combate à corrupção

Confira quais os projetos que, segundo o Ministério Público Federal, podem dificultar o combate a corrupção:

Delações premiadas

Existem diversos projetos que tratam do tema tramitando no Congresso. Alguns deles falam apenas da possibilidade de CPIs terem acesso a informações sigilosas de delatores. Outro veda a colaboração daqueles que tenham “maus antecedentes ou que tenham rompido com acordos anteriores” – caso, por exemplo, do doleiro Alberto Youssef, um dos principais delatores da Lava Jato (ele descumpriu acordo de delação no caso Banestado). O mais polêmico é o que propõe que pessoas presas não tenham acesso ao benefício e que apenas o conteúdo de uma delação não seja suficiente para a abertura de uma denúncia. A proposta também criminaliza o vazamento de acordos.

Cumprimento da pena

As propostas pretendem alterar o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que réus condenados em segunda instância judicial já possam iniciar o cumprimento da pena, mesmo havendo a possibilidade de recorrer a cortes superiores. Conforme os projetos, a mudança promovida pelo STF afeta o princípio da presunção de inocência.

Foro privilegiado

Existem diversos projetos que tratam de foro de prerrogativa de função no Congresso. A tendência, depois da Lava Jato, é de extinção ou limitação do benefício, mas subsistem propostas que pretendem estender o foro, como a ex-presidentes e prefeitos.

Acordos de leniência

A medida provisória que permitiu à Advocacia-Geral da União (AGU) negociar diretamente acordos com empresas acusadas de corrupção caducou, mas existem propostas para “abrandar” as penas às empresas envolvidas em irregularidades. O novo ministro de Transparência, Fiscalização e Controle, Torquato Jardim, inclusive, defendeu a criação de uma nova lei para os acordos que, mesmo prevendo sanções, não leve as empresas “à falência”.

Lei da repatriação

O marco legal facilitou a repatriação de recursos mediante pagamento de multa, o que, segundo o MPF, atua no sentido contrário de combate à corrupção.

Autor de projetos diz haver “má-fé” para desqualificar as propostas

O deputado federal Wadih Damous (PT-RJ, foto), que assina algumas das propostas apontadas como “pró-corrupção”, contrapõe as afirmações do Ministério Público Federal (MPF). Advogado, mestre em Direito Constitucional e ex-presidente da seccional da OAB do Rio de Janeiro, o parlamentar classifica como “má-fé” utilizar o momento atual para desqualificar iniciativas legislativas.

O petista defende, por exemplo, que réus só possam ser presos a partir do trânsito em julgado dos processos (condenação em última instância). “O projeto tem como objetivo reafirmar o princípio constitucional da presunção de inocência. A proposta não seria necessária se não houvesse a mudança de entendimento do Supremo, que reescreveu a Constituição, e não cabe a ele fazer isso. Cabe a ele interpretar o texto”, afirma.

Aperfeiçoar as delações

Damous também é o autor da matéria que trata de mudanças nos acordos de delação premiada. Para o deputado, ao contrário do que diz a crítica do MPF, a proposta tem como um dos objetivos proteger investigações . “Temos que adequar a lei aos preceitos constitucionais, aperfeiçoando o texto. Desrespeitando a Constituição, diversos acordos podem vir a ser anulados posteriormente, o que afeta o combate a corrupção”, diz.

O deputado do PT assina ainda uma proposta que estabelece a necessidade de análise prévia do impacto social e orçamentário dos projetos que tratam de criação de novos tipos penais, aumento de pena ou que tornem mais rigorosa a execução da pena. Segundo Damous, a iniciativa surgiu da sua percepção do errôneo “clamor punitivo” do Congresso, estimulado por setores da sociedade.

“Vejo ali centenas de projetos absurdos, há um sentimento de que o Direito Penal vai resolver todos os nossos problemas, e não é assim”, diz ele. “O que estamos tentando fazer é conter esse tipo de proposta, além de racionalizar o debate, mostrando os custos sociais e financeiros, com um debate prévio que conte com a participação de entidades e organizações da área.”

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