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Funcionários da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional usam estantes de R$ 3.612 que tem valor real de R$ 426. Escrevem e despacham em mesas de R$ 1.405, mas que podem ser compradas por R$ 343,38. Também picotam papel numa máquina de R$ 58 mil. Mais grave: servidores da seccional do órgão em Piracicaba, no interior de São Paulo, trabalham em um prédio incorporado ao patrimônio público com ágio de R$ 5 milhões. Isso só acontece por causa de um artifício que permite o pagamento de dívidas de empresas com a União por meio de doação de bens.

O superfaturamento foi constatado pelo Ministério Público Federal (MPF), que na última sexta-feira entrou com ação de ,improbidade administrativa contra a empresa que fez a doação dos bens, a Dedini, especializada na construção de usinas de cana-de-açúcar, e contra o ex-procurador seccional da Fazenda Nacional Edson Feliciano da Silva que aceitou as incorporações.

Uma auditoria realizada pela Controladoria Geral da União (CGU) permitiu a comparação de preços com base em valores do portal de compras do governo federal, o Compras Net. O prejuízo aos cofres públicos chega a R$ 8 milhões. O MPF também investiga as doações de bens realizadas por uma outra empresa, a Painco. As incorporações nesse caso teriam acusado um prejuízo de R$ 4 milhões e também foram autorizadas pelo procurador Silva. No período de cinco anos, as entregas de bens aprovadas por Silva chegaram a R$ 29,8 milhões.

Não se sabe qual a frequência da utilização da prática de incorporar bens para abater dívidas a nível nacional, que leva o nome técnico de adjudicação. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), responsável pela cobrança dos créditos tributários e não-tributários da União, não possui um levantamento do valor recebido por doações nos últimos anos. A CGU informou que está realizando outras auditorias que ainda não foram concluídas. O órgão afirma ainda ter recebido informações da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional de que o recebimento de bens para abater dívidas está suspenso enquanto não houver regulamentação adequada do tema.

"O procurador da Fazenda ganha muito poder quando pode fazer as adjudicações. Como ele pode decidir sozinho como será gasto o dinheiro da União? Isso é agir na ilegalidade", diz a procuradora Heloisa Martins Fontes Barreto, do Ministério Público Federal em Piracicaba, responsável pela ação contra Dedini.

No caso, além de superfaturamento de até 1.085 % de bens doados, o Ministério Público Federal concluiu, com base na auditoria por amostra do CGU, que 10% dos bens doados não foram localizados. "Se a empresa comprou, entregou e a União não acha, significa que alguém levou para casa", afirma a procuradora.

As incorporações dos bens em Piracicaba eram realizadas seguindo um mesmo padrão, segundo a investigação do MPF. Executada judicialmente pelo não pagamento de dívidas, a Dedini oferecia penhora de um percentual de seu faturamento e, posteriormente, comprava bens e os apresentava para substituir a penhora. O procurador da Fazenda aceitava o bem sem exigir nenhuma avaliação oficial.

"Se o devedor tem dinheiro para comprar bens, que entregue o dinheiro. É óbvio que terá deságio nesta dívida", avalia a procuradora.

O caso mais escandaloso, para o MPF, é o da compra do imóvel em que funciona a sede da Procuradoria da Fazenda na cidade. Um inquérito policial chegou a ser instaurado para apurar a transação. Em seu depoimento, o então procurador secional, Edson Feliciano da Silva, contou que, para melhorar as instalações do órgão, consultou se algum dos grandes devedores da região tinha interesse em reformar o prédio vizinho da antiga sede. A Dedini se interessou e comprou o imóvel por R$ 810 mil, segundo registro em cartório. Depois de reformar o local, doou para a União por R$ 8,2 milhões. Uma avaliação da Superintendência do Patrimônio da União (SPU), realizada a pedido do MPF, concluiu que o imóvel não vale mais que R$ 3,2 milhões.

Não vejo nada de ilegal na doação de bens desde que ocorra avaliação por um órgão insuspeito", afirmou o tributarista Ives Grande Martins, falando em tese.

Na ação, o Ministério Público pede a perda do cargo do procurador Silva e devolução à União de quantia equivalente ao prejuízo. Questionada, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional informou que não se manifestaria sobre o caso. A Dedini disse que não havia tomado conhecimento da ação, mas disse estar certa de sua idoneidade. A Painco respondeu que jamais causou prejuízo para os cofres públicos e que os seus bens doados para bater dívidas foram requeridos pela própria União. O procurador Silva, que não é mais responsável pela seccional da PGFN em Piracicaba, não foi localizado. Na sede do órgão, a informação era que ele estava de licença médica.

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