A desfiguração do pacote anticorrupção pela Câmara dos Deputados colocou o Ministério Público Federal (MPF) e o Judiciário em pé de guerra com o Congresso e a força-tarefa da Operação Lava Jato em rota de colisão com o governo do presidente Michel Temer – no início de uma crise institucional de desfecho imprevisível.
Em entrevista coletiva na tarde da quarta-feira (30), procuradores da força-tarefa disseram que os deputados começaram a instaurar no país, com a anuência do Planalto, a “ditadura da corrupção”. E colocaram Temer contra a parede: disseram que se ele não vetar o projeto, a Lava Jato vai acabar.
Crise institucional
Brasília já trata abertamente o embate entre o MPF e o Judiciário, de um lado, e os políticos do outro, como uma crise institucional. Derrotado na votação da madrugada de quarta-feira (30), o relator do projeto anticorrupção na Câmara, deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), disse que essa batalha terá muitos desdobramentos: “Creio que a Câmara perdeu a chance de prestar um serviço ao Brasil. E, movidos por uma sede de vingança contra o MP e contra o Judiciário, acho que [os deputados] começaram uma crise institucional que deve se agravar nos próximos meses”. Em nota, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reconheceu o fosso que separa as instituições, mas foi um pouco menos enfático: tratou o caso como “tensão institucional”.
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A força-tarefa não ficou sozinha. Ganhou apoios de peso. A presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Cármen Lúcia, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, também criticaram o projeto aprovado pela Câmara. E deixaram claro que as duas instituições não vão se intimidar – o que abre a possibilidade de um confronto aberto entre os poderes. A Procuradoria-Geral da República (PGR) é responsável por investigar deputados e senadores suspeitos de corrupção. E o STF, de julgá-los.
Primeira ofensiva
A primeira ofensiva do Supremo contra o Congresso pode ocorrer já nesta quinta-feira (1.º), quando os ministros do STF vão decidir se acatam denúncia da PGR e transformam em réu o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB). O senador é acusado pelo MPF de ter tido as despesas de uma filha que teve fora do casamento custeadas por uma empreiteira.
Caso vire réu, Renan corre risco de ser afastado da presidência da Casa e, assim, perderá o poder de definir os projetos que serão votados. Isso porque a maioria dos ministros do STF já decidiu que réus não podem ocupar cargos que estão na linha sucessória do presidente da República (o presidente do Senado é o terceiro da lista de substituição presidencial). O senador só não será afastado imediatamente do cargo, caso vire réu, porque o julgamento sobre a linha sucessória, embora já decidido, foi interrompido no início de novembro por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
Outros recados
A presidente do STF, Cármen Lúcia, também mandou outros dois recados aos congressistas nas entrelinhas da nota oficial em que critica a Câmara pela oportunidade perdida de promover a “defesa da ética pública”. O primeiro deles é de que o projeto, da forma como foi aprovado pelos deputados, tem fortes contornos de inconstitucionalidade, pois “pode contrariar a independência do Poder Judiciário” prevista na Constituição. O outro é que o STF não vai se intimidar: “Pode-se tentar calar o juiz, mas nunca se conseguiu, nem se conseguirá, calar a Justiça”.
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, engrossou o coro contra o Congresso e convocou um importante aliado para a batalha: o povo. “O resultado da votação (...) colocou o país em marcha a ré no combate à corrupção. (...) A sociedade deve ficar atenta para que o retrocesso não seja concretizado; para que a marcha seja invertida novamente e possamos andar pra frente”, disse Janot em nota oficial. O projeto ainda precisa passar por votação no Senado.
Projeto original do MPF era “fascista”, diz Renan
Do outro lado da trincheira da guerra entre instituições, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que o projeto original de combate à corrupção era “fascista” e iria instituir no Brasil um “estado de exceção”.
“Propostas como o informante do bem, a validação de provas ilícitas e o teste de integridade só seriam aceitas em um regime fascista”, afirmou Renan. “[O pacote proposto originalmente pelo MPF] não poderia ter sido aprovado assim, a menos que fosse um estado de exceção. Não poderia ter tido outro tratamento [pela Câmara].” Ele ainda disse que “não é essa a democracia que se deseja” no Brasil.
Após a aprovação pela Câmara, o projeto agora tem de ser votado justamente pelo Senado. E cabe a Renan decidir quando colocar o tema em votação – nos bastidores a expectativa é de que o projeto tenha tramitação em regime de urgência.
Armas na mão
Renan também tem outra arma na mão contra o MPF e o Judiciário: o projeto de lei, de autoria dele próprio, que endurece as penas para o abuso de autoridade praticado por juízes, promotores e procuradores.
Já o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), anunciou que a Casa vai começar a rever decisões do Supremo se achar necessário. “O STF às vezes legisla. É uma interferência no Legislativo e a Câmara vai dar uma resposta: ratificar ou retificar a decisão do Supremo”, disse Maia.
A motivação de Maia foi a decisão do STF, da terça-feira (29), de abrir uma brecha para a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação. O julgamento no Supremo sobre o aborto foi usado por deputados, em discursos no plenário, como justificativa para aprovar as mudanças no pacote anticorrupção para criar punições a juízes, procuradores e promotores que abusem de sua autoridade.
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