Pelo menos R$ 165 bilhões deixaram de entrar nos cofres dos municípios nos últimos anos. Desse total, R$ 122,7 bilhões são fruto de desonerações do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e Imposto de Renda (IR), que diminuíram as transferências do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) - uma das principais fontes de receitas das prefeituras. Os cálculos foram feitos pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) no período de 2008 a 2014.
A outra parte refere-se aos chamados restos a pagar – valores empenhados (compromisso de que há crédito para a obra) que não receberam desembolso do Tesouro Nacional e foram transferidos para o ano seguinte. Segundo o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski, de 2003 para cá o governo deixou de pagar aos municípios R$ 43 bilhões. No total, são 80 mil empenhos referentes a obras iniciadas e emendas parlamentares. Um reflexo dessa interrupção é a paralisação generalizada de obras Brasil afora.
Na prática, isso representa custos maiores dos empreendimentos – que, no final, vão bater no bolso dos contribuintes brasileiros – e serviços deficitários para a população, a exemplo da falta de vagas em creches e escolas, além de lotação em hospitais.
“Os governos, nos seus três níveis, estão cada vez mais fazendo ajustes por meio dos restos a pagar, como um cartão de crédito. Essa bola de neve vai estourar em breve”, avalia o economista-chefe da Federação das Indústrias do Rio Janeiro (Firjan), Guilherme Mercês. Pelas regras da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), os gestores não podem entregar o mandato com mais restos a pagar do que com recursos em caixa.
Na opinião de Ziulkoski, a crise dos municípios é resultado de problemas estruturais históricos. Segundo ele, com a Constituição de 1988, várias obrigações antes bancadas pelo governo federal passaram para a esfera municipal, a exemplo de saúde, educação e assistência social. Para ajudar nas despesas, foram criados vários programas de repasse de recursos para os municípios. Mas os valores hoje são insuficientes para cobrir todos os gastos.
Repasses insuficientes
Na merenda escolar, o repasse é de R$ 0,30 por dia por aluno, enquanto o gasto médio é de R$ 2,50; no transporte escolar, de R$ 12, diante de uma despesa de R$ 144, segundo os dados da CNM. O presidente da Associação de Municípios do Estado do Rio de Janeiro, Anderson Zanon, acrescenta ainda que os recursos para bancar os serviços de ambulância (Samu) são divididos em partes iguais entre estados, municípios e o governo federal. “A parte do Estado, por exemplo, está 11 meses atrasada.”
Para Paulo Ziulkoski, os municípios estão quebrados e, por ora, não há perspectiva favorável. Nos últimos anos, diz ele, criou-se no Brasil o equivalente a “dois Uruguais” em termos de funcionários públicos. No total, são 6,3 milhões de servidores, o que acaba comprometendo boa parte das receitas disponíveis.
Além disso, Ziulkoski destaca a escalada da dívida previdenciária dos municípios, que cresceu 181% de 2009 para cá e alcançou a cifra de R$ 100 bilhões. Com o aumento do débito e atividade econômica mais fraca, várias prefeituras passaram a ter dificuldade para fazer os pagamentos mensais, ficaram inadimplentes e, com isso, deixaram de receber as transferências federais.
Pela lei, a União pode reter os recursos para quem não paga em dia. Segundo levantamento da CNM, cerca de 995 cidades tiveram as verbas do Fundo de Participação dos Municípios zeradas especialmente por causa do atraso no pagamento da dívida. “O caos vai se ser geral nos municípios”, prevê Ziulkoski.
O presidente da Associação Paulista de Municípios (APM), Marcos Monti, concorda com o cenário pouco otimista do presidente da CNM. E destaca ainda um agravante: além da queda na arrecadação, que diminui os repasses federais, o aumento do desemprego nos últimos meses trouxe um enorme contingente de pessoas para os serviços públicos, como saúde e educação. “Com a piora da crise econômica, quem colocava o filho na escola privada agora busca a rede pública. Quem tinha convênio médico agora usa o posto de saúde.”
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