Os trabalhos no Congresso Nacional retornam na próxima quarta-feira (1.º) e proposições polêmicas, que permaneceram em “banho maria” ao longo do recesso, também podem voltar para a pauta dos parlamentares. Dois projetos de lei em especial, e que surgiram na esteira da Lava Jato, estão no rol de matérias sensíveis: o que atualiza a lei que trata do abuso de autoridade, capitaneado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e o que seria uma versão desfigurada da chamada “Dez Medidas Contra a Corrupção”.
Embora a legislação do abuso de autoridade vigente remonte ao ano de 1965, o que justificaria uma espécie de atualização das regras, o projeto de lei em trâmite no Senado chamou a atenção desde o início: na avaliação de parte do Judiciário, o novo texto pode cercear o trabalho dos agentes públicos que estão envolvidos na Lava Jato.
Alvo da maior investigação de combate à corrupção no país, Renan se empenhou pessoalmente para dar celeridade à matéria na Casa, a despeito das críticas que sofria. Para ele, magistrados, Polícia Federal e autoridades do Ministério Público Federal estão extrapolando prerrogativas.
No comando do Senado, Renan conseguiu aprovar a urgência do projeto de lei, o que, na prática, colocou o texto direto no plenário, sem enfrentar comissões internas da Casa. Mas, diante da repercussão, e pressionado pela maioria dos senadores, o peemedebista acabou não conseguindo colocar o texto em votação.
No “apagar das luzes” de 2016, Renan se viu obrigado a concordar com os parlamentares que defenderam a retirada da urgência, e o texto acabou seguindo para análise da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).
Agora, em fevereiro, logo após as eleições que definirão os novos titulares das cadeiras da Comissão Diretora do Senado e também das comissões permanentes da Casa, o polêmico projeto de lei pode voltar a incomodar os investigadores da Lava Jato.
No acordo estabelecido em dezembro, seriam realizadas três reuniões na CCJ para analisar o projeto de lei. Na sequência, o texto seguiria para o plenário. Embora Renan esteja prestes a deixar a principal cadeira da Casa, o peemedebista é cotado inclusive para presidir a CCJ. Ele estaria dividido, entretanto, entre a vaga no colegiado e a liderança da bancada do PMDB.
Mas, mesmo sem Renan no comando, senadores acreditam que o projeto de lei não será “engavetado” e até já ganha respaldo dos colegas da Casa vizinha. Os dois principais candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Jovair Arantes (PTB-GO), sugeriram em entrevistas à imprensa que concordam com o conteúdo do projeto de lei e que, se o texto chegar na Casa, devem dar seguimento “normal” ao assunto.
Considerando um possível aval do Senado ainda no primeiro mês de trabalhos, o trâmite do projeto de lei na Câmara dos Deputados pode coincidir com as homologações no Supremo Tribunal Federal (STF) das delações de 77 pessoas ligadas à Odebrecht. A partir daí, uma lista ainda maior de parlamentares deve entrar na mira da Lava Jato. Os depoimentos, no cálculo extraoficial que circula em Brasília, atingiriam quase 200 parlamentares.
Apesar da morte trágica do ministro Teori Zavascki, que era relator da Lava Jato na Corte, a presidente do STF, Cármen Lúcia, já atua para tentar manter o ritmo dos trabalhos da Lava Jato. E o substituto de Teori Zavascki nos processos pode ser conhecido até sexta-feira (3).
Medidas anticorrupção dependem do Supremo
Outro texto polêmico que pode voltar à cena nos primeiros meses de 2017 é o projeto de lei 4850/2016, originalmente capitaneado pelos procuradores da República à frente das investigações da Lava Jato em Curitiba, e conhecido como as “Dez Medidas Contra a Corrupção”.
O assunto tramitou ao longo de 2016 na Câmara dos Deputados e, no mês de novembro, ao chegar para votação no plenário, um conjunto de emendas apresentadas por parlamentares modificou de forma significativa o projeto de lei. A “versão desfigurada” acabou encaminhada na sequência para análise do Senado.
Entre os pontos mais polêmicos da nova versão, está a emenda que estabelece situações nas quais magistrados e membros do Ministério Público podem responder por crime de responsabilidade e por abuso de autoridade. A inclusão da emenda foi fortemente criticada pelos investigadores da Lava Jato, que apontaram “mais uma tentativa de cerceamento” dos trabalhos de combate à corrupção.
Na presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) chegou a atuar para votar o projeto de lei em caráter de urgência, logo após o aval da Câmara dos Deputados. Sem apoio integral no plenário, contudo, a manobra acabou fracassada e, quase 15 dias depois, em dezembro, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux mandou anular o trâmite da matéria na Câmara dos Deputados, atendendo a um mandado de segurança impetrado por um parlamentar, Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
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