Na véspera da votação do relatório da Comissão Especial da Câmara que analisou as Dez Medidas Contra a Corrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF), o procurador da Lava Jato Diogo Castor de Mattos diz aguardar serenamente o resultado no plenário. Segundo o procurador, “não é mais tão simples legislar em causa própria” no Brasil. “A sociedade está atenta e não aceitará que propostas legislativas que não atendam o interesse público prosperem”, disse Mattos sobre a tentativa de anistiar o crime de caixa dois eleitoral.
Políticos ‘desistem’ de anistiar caixa 2, mas articulam nova forma de dificultar investigações
Leia a matéria completaSegundo o procurador, porém, a nova tentativa dos parlamentares de alterar o texto preocupa e pode abalar a operação. Trata-se de estipular um prazo de, no máximo, um ano para que o MPF conclua investigações envolvendo políticos. “Somente em casos excepcionais a investigação dura menos que um ano”, diz Mattos.
Confira a entrevista completa:
Depois da indignação nacional, o presidente Michel Temer e os presidentes da Câmara e do Senado deram uma coletiva de imprensa prometendo barrar a anistia ao caixa dois. O MPF acredita que essa possibilidade está enterrada?
Sempre temos que estar em alerta. Nesse caso da anistia, a pressão da sociedade foi decisiva, mas a redução da vigilância fomenta que iniciativas desse tipo sejam ressuscitadas. A título de exemplo, cite-se o projeto de lei que permite repatriação a parentes de políticos. Aprovar uma lei que autoriza que parentes de políticos regularizem dinheiro oculto no exterior é institucionalizar a lavagem de dinheiro da corrupção.
Isso traz mais tranquilidade para a votação do relatório, prevista para esta terça-feira (29)?
Sim. Com o engajamento social, acreditamos que houve uma conscientização dos parlamentares de que as alterações são necessárias em razão da vontade do povo. Esse processo todo também demonstrou que os tempos mudaram, não é mais tão simples legislar em causa própria. A sociedade está atenta e não aceitará que propostas legislativas que não atendam o interesse público prosperem.
Muitos grupos já marcaram manifestações contra a anistia. Para o senhor, a pressão das ruas ajuda?
Sem dúvida. Acreditamos que as mobilizações podem trazer grandes mudanças. Dessa forma, a pressão faz o carvão virar diamante. Todo esse processo que vivenciamos de quebras paradigmáticas da tolerância da corrupção é o resultado do trabalho de uma sociedade civil muito mais politizada e atuante.
E a votação nominal na Câmara, também é um fator importante para barrar a tentativa de anistiar o crime de caixa dois?
Sim. Em agosto de 2013, o ex-deputado federal Nathan Donadon, condenado pelo STF a treze anos de prisão em regime fechado, foi absolvido por seus pares no plenário da Câmara dos Deputados em votação secreta. Com isso, ele manteve o cargo de parlamentar, mesmo preso na Penitenciária da Papuda. Criou-se o deputado preso. O STF anulou essa votação e, na sequência, uma emenda constitucional determinou que votações de perda de cargo por quebra de decoro parlamentar deveriam ser abertas. Resultado: o mesmo plenário condenou Nathan Donadon à perda do cargo, não havendo nenhum voto pela absolvição.
Apesar de aparentemente terem desistido de anistiar o caixa dois, o Congresso já começa a articular outra medida polêmica: o prazo de seis meses, prorrogáveis por mais seis, para que a PF e MPF concluam investigações contra políticos. É um prazo possível?
Logicamente não. Essas investigações são extremamente complexas, dependem de muitas diligências difíceis. Levam anos. Dados bancários costumam levar cerca de seis meses para serem enviados de forma integral. A Lava Jato demorou quase cinco anos até deflagrar a primeira fase.
Essa medida pode influenciar de alguma maneira na Lava Jato?
Na Lava Jato, a lista inicial de pedidos de abertura de inquérito policial apresentada pelo procurador geral da República no início de 2015 tinha 49 nomes de parlamentares. A grande maioria segue em investigação. O problema é agravado nos casos de foro privilegiado, em que qualquer investigação depende de autorização do STF. O ritmo é muito lento. Somente em casos excepcionais a investigação dura menos que um ano.
Qual a sua opinião sobre a versão final do relatório da comissão. Há algo que preocupa?
Embora tenham ocorrido diversas alterações em relação à proposta, entendo que a aprovação desse relatório representará um avanço sem precedentes na modernização da legislação. Será um marco legal para a efetividade dos processos criminais de crimes de colarinho branco.
A pressão é grande em Brasília para a votação do pacote. Há algum esforço por parte do MPF para tentar convencer os parlamentares a votarem a favor do projeto?
Nós fomos ouvidos na comissão para explicar os pontos polêmicos. Paralelamente, a sociedade continua se manifestando favorável à aprovação nas redes sociais e cobrando os deputados. Além disso, a imprensa também está fazendo sua parte, divulgando as posições dos deputados. Este é o jogo democrático. Creio que todo o esforço possível foi feito, resta agora aguardar serenamente pela votação na Câmara. Depois, ainda restará o Senado e a sanção presidencial.
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