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Marcelo Odebrecht: “Duvido que tenha um político no Brasil que tenha sido eleito sem caixa 2”. | Aniele Nascimento/Gazeta do Povo
Marcelo Odebrecht: “Duvido que tenha um político no Brasil que tenha sido eleito sem caixa 2”.| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

As doações eleitorais estão no centro das investigações dos políticos delatados pelos 77 executivos e ex-executivos da empreiteira Odebrecht. E esse é o motivo de tanto temor da classe política – não apenas dos que foram alvo dos delatores. Afinal, como disse recentemente Marcelo Odebrecht, ex-presidente da construtora em depoimento à Justiça Eleitoral: “duvido que tenha um político no Brasil que tenha sido eleito sem ‘caixa 2’”.

Mas, nas delações da Odebrecht, nem tudo é a mesma coisa. As doações investigadas pela Lava Jato implicam diferentes crimes e, dentro de uma mesma ilicitude, expõem gravidades maiores e menores.

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A Gazeta do Povo ouviu especialistas em Direito e elencou sete situações diferentes de possíveis ilícitos que poderão vir a ser apreciados pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) nas delações da Odebrecht. Dependendo do entendimento, o caso pode nem mesmo caracterizar crime. Ainda há a possibilidade de vir a ser tipificado como caixa 2 puro, associação para o crime, lavagem de dinheiro e corrupção.

Confira cada uma das situações

1. Doação foi declarada à Justiça Eleitoral, com verba de origem ilícita. Não há delator afirmando que o político sabia da ilicitude ou outros indícios mais consistentes a respeito disso.

É a situação em que o candidato recebe dinheiro de uma empresa por meio de seu partido, que tinha um acerto com o doador envolvendo corrupção. A possível implicação do político é por corrupção passiva, que prevê pena de prisão de 2 a 12 anos pelo Código Penal, e por lavagem de dinheiro (prisão de 3 a 10 anos). A corrupção se dá se ficar comprovado que o pagamento da propina teve contrapartida. A lavagem, apenas se ficar provado que ele sabia da ilicitude da verba que recebeu.

Advogado e professor de Direito Eleitoral, Luiz Fernando Pereira afirma ser difícil punir o acusado em função de uma captação ilícita realizada pelo partido. Segundo ele, será preciso provar que o candidato sabia da ilicitude do financiamento. O advogado Eduardo Mendonça, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Brasília (Uniceub) e coordenador-geral do Centro Brasileiro de Estudos Constitucionais, concorda: “Seria excessivo responsabilizar o candidato se não se conseguir provar que ele sabia. Não se pode presumir, sem provas, que o candidato sabia [da origem ilícita do dinheiro]”. Essa também é a mesma posição do jurista Luiz Flavio Gomes, diretor-presidente do Instituto Avante Brasil.

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Professor de Direito Penal da Faculdade de Direito de Vitória (ES) e presidente do Conselho de Ética Pública do Espírito Santo, Jovacy Peter Filho tem uma opinião diferente. Ele afirma que, em tese, é possível caracterizar o caso como corrupção se o candidato tiver sido o responsável formal pela captação de recursos para sua campanha. Ou seja, caso não tenha delegado oficialmente essa atribuição a outra pessoa.

Um possível argumento jurídico a ser levantado para puni-lo nesse caso é a teoria da “cegueira deliberada”: a pessoa procura não saber de possíveis irregularidades para não ter problemas legais. É uma tese jurídica usada em países como os EUA. “Políticos profissionais sabem como as coisas funcionam; deveriam ter mais cuidado com isso”, afirma Peter Filho.

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2. Doação foi declarada à Justiça Eleitoral, mas a verba é de origem ilícita. Há indícios de que o político sabia da ilicitude do dinheiro.

Como no caso anterior, também envolve a situação em que o candidato recebe dinheiro de uma empresa por meio de seu partido, que tinha um acerto com o doador para pagamento de propina. “Caixa 1 não exime o político do crime de corrupção”, diz Jovacy Peter Filho.

Essa situação é o mesma do senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Recentemente, ele virou réu na Lava Jato por lavagem e corrupção. O STF acatou a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) de que o senador recebeu, na forma de doação eleitoral, R$ 500 mil de propina da construtora Queiroz Galvão. Os ministros do Supremo entenderam que há indícios de que Raupp não só sabia como participou das negociações da suposta propina.

O jurista Luiz Flávio Gomes afirma que esse caso pode caracterizar corrupção passiva (com pena de prisão de até 12 anos) se ficar comprovado contrapartida do agente político. Ou lavagem (até 10 anos) se apenas ficar caracterizado que ele sabia da origem ilícita dos recursos que recebeu.

O advogado Luiz Fernando Pereira diz que também é possível que haja a tipificação de associação criminosa. Pereira usa um exemplo envolvendo outro ilícito: o candidato recebe doação de alguém que ele sabe ser traficante de drogas. O político não pode ser processado por tráfico, mas é passível de responder por associação ao tráfico. O crime de associação criminosa, previsto na Lei 12.850/2013, prevê pena máxima de 8 anos de detenção.

O advogado Eduardo Mendonça afirma que o caso também pode ser tipificado como ilícito eleitoral – mesmo que a doação tenha sido registrada. Isso porque o dinheiro ilegal desvirtua a lisura daquela eleição.

3. Doação declarada, com dinheiro limpo. Mas condicionada pelo doador a favores futuros

É um caso passível de caracterização como corrupção (pena de prisão de até 12 anos). Jovacy Peter Filho e Luiz Flávio Gomes afirmam que o artigo 317 do Código Penal prevê que o simples compromisso firmado de haver uma contrapartida pode caracterizar a corrupção, mesmo que o ato não tenha sido efetivado. Obviamente, será preciso provar que havia essa promessa futura.

Eduardo Mendonça destaca, porém, que há uma linha que pode ser tênue entre a corrupção pelo político e a representação legítima que ele exerce na defesa de interesses da empresa doadora. “Há um jogo de interesses legítimo que deve ser diferenciado. Para ser corrupção, tem de caracterizar uma contraprestação do pagamento em alguma votação específica, na apresentação de um projeto de interesse da empresa”, diz Mendonça. A Odebrecht, por exemplo, admitiu ter pago propina para que algumas medidas provisórias fossem aprovadas no Congresso.

Já Luiz Fernando Pereira tem um entendimento mais restritivo. Para ele, se não houver a efetiva contraprestação do serviço que foi “comprado” pela propina (o chamado ato de ofício do agente público), na prática fica difícil caracterizar o crime.

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4. Há caixa dois, mas com dinheiro de origem lícita

“É o caso de caixa 2 clássico”, diz Luiz Fernando Pereira. Ocorre quando a empresa, por algum motivo, não quer ter seu nome vinculado ao político – ou vice-versa. Por não implicar troca de favor, não há como haver caracterização de corrupção.

Embora os políticos considerem um crime “menor” e corriqueiramente a Justiça tenha apenas decretado a perda de direitos políticos para quem fez caixa 2 eleitoral, especialistas avaliam que a tendência atual é de haver maior rigidez judicial nesses casos – embora esse crime seja legalmente mais brando do que a corrupção. “Daqui para frente, caixa 2 será crime sério, até com pena de prisão”, aposta Luiz Flavio Gomes.

“Essa linha de minimizar o caixa 2 esconde uma perversidade do sistema”, diz Eduardo Mendonça. “A pessoa que se beneficia do caixa 2 tira da sociedade o direito de saber quais são os interesses que ela representa. A essência de uma eleição é que a sociedade saiba disso.”

O Ministério Público vem usando o artigo 350 do Código Eleitoral para caracterizar o caixa 2. O artigo prevê pena de prisão de 2 a 5 anos para quem frauda documento eleitoral – uma espécie de falsidade ideológica. Omitir doação é considerado uma fraude dessa natureza.

Jovacy Peter Filho avalia que o caixa 2 “puro” também pode caracterizar crime tributário, de acordo com a Lei 8.137/90. Isso pode ocorrer em função da ocultação de valores.

5. Há caixa dois, com dinheiro de origem ilícita. Mas não há delação ou indício mais consistente de que o candidato sabia que o dinheiro era sujo

Nesse caso, o candidato tinha ciência da contribuição eleitoral por fora, repassada pelo partido. Mas não há elementos que indicam que ele sabia que o dinheiro era parte de um esquema de propina envolvendo a empresa e a legenda.

Luiz Fernando Pereira, Luiz Flavio Gomes e Eduardo Mendonça afirmam que, sem a prova de que o acusado sabia da ilicitude da doação, trata-se de um caso de caixa 2 clássico – cuja pena varia de 2 a 5 anos de detenção.

Jovacy Peter Filho, porém, acredita ser possível também tipificar a corrupção (pena de prisão de até 12 anos) nesse caso. Isso pode ocorrer se o candidato não tiver delegado a outra pessoa a responsabilidade legal pela captação de recursos eleitorais de sua campanha. O argumento é de que, como responsável, ele teria de ter tomado cuidados para evitar dinheiro de propina em suas contas. É uma situação em que, para buscar a penalização, a teoria jurídica da cegueira deliberada pode ser usada. A tese é de que o político evitou saber da ilicitude para evitar comprometimento legal posterior, embora tenha se beneficiado da ilegalidade.

6. Há caixa dois, com dinheiro de origem ilícita e vários indícios ou provas de que o candidato sabia que a propina seria “esquentada” por meio de doações eleitorais

Há nessa situação pelo menos dois crimes: um penal e outro eleitoral (este, o caixa 2, que tem pena prevista de 2 a 5 anos de prisão). “De todas as situações até aqui, é a pior para o acusado”, diz Jovacy Peter Filho. “Fica clara a participação do político na cadeia de corrupção”, afirma Eduardo Mendonça.

Luiz Flavio Gomes afirma que, no caso penal, a questão é diferenciar se há apenas lavagem de dinheiro (com pena de 3 a 10 anos de prisão) ou se o crime avança para corrupção (detenção de 2 a 12 anos). A lavagem, diz ele, se caracteriza se ficar comprovado que o acusado apenas sabia da origem ilícita do dinheiro. Para haver a condenação por corrupção, tem de ser provada a troca de favores entre o político e o doador.

7. O dinheiro ilícito da empresa foi usado para enriquecimento do político

É um caso que não necessariamente envolve doação eleitoral, mas que pode aparecer nas delações da Odebrecht. Na Lava Jato, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral tem sido alvo de acusações dessa natureza.

O jurista Luiz Flavio Gomes afirma que, na legislação, não há um crime específico de enriquecimento ilícito de agente político. Mas, se for comprovada a troca de favor entre a empresa e o político, caracteriza corrupção.

“É o pior caso. O mais condenável do ponto de vista penal e moral”, opina Luiz Fernando Pereira.

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