Deputados discutem projeto do MP

Brasília – O pacote de medidas de combate à corrupção proposto pelo Ministério Público do Paraná servirá como base para um projeto de lei na Câmara dos Deputados. As sugestões foram discutidas ontem, em Brasília, durante a primeira reunião do Conselho de Ética da Casa neste ano.

A idéia é tornar mais rigorosas as penas para os crimes contra a administração pública. O MP também sugere algumas alterações técnicas para que as penalidades possam ser aplicáveis a todos os gestores públicos. Exemplo disso é a inclusão do crime de peculato (quando o funcionário público se apropria de bens ou dinheiro em razão do cargo, ou desvia verba em proveito próprio) no Código Penal. Atualmente, o peculato é tipificado como crime apenas para quem ocupa o cargo de prefeito. Com a mudança, ele atinge todas as categorias de agentes públicos.

"São sugestões interessantes, que estão sendo bem avaliadas e serão levadas adiante", afirmou o deputado federal Ricardo Izar (PTB-SP), presidente do Conselho. Nos próximos dias, as medidas serão encaminhadas ao presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP). Izar está disposto a colocá-las em um projeto de lei assinado pelo Conselho de Ética. "Temos de mostrar o nosso verdadeiro trabalho, que não é apenas o de julgar o mau comportamento de alguns deputados. Também estamos aqui para prevenir e dificultar a corrupção."

André Gonçalves, correspondente

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Na semana passada, o Ministério Público do Paraná (MP) apresentou ao Congresso Nacional um pacote de propostas anticorrupção. A idéia é de que elas possam virar lei e a corrupção possa realmente ser punida com rigor – o que hoje, no entendimento do MP, não ocorre. Entre as idéias, está a de elevar a pena mínima no crime de corrupção de dois para quatro anos de detenção. A pena máxima é de 12 anos.

O promotor de justiça Fábio Guaragni, da Cordenadoria de Recursos Criminais do MP, foi um dos elaboradores das propostas. Para ele, o sistema penal no Brasil não está preparado para crimes de corrupção. "O nosso sistema penal está viciado em controlar as classes baixas, as menos favorecidas. Isso ocorre desde o século 19. Só que após a globalização, o poder econômico passou a dominar e só agora os crimes de corrupção estão sendo vistos." Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, Guaragni explica a proposta do MP levada ao Congresso e fala da rede de corrupção que tem envolvido o Estado ao mesmo tempo que dá força ao poder econômico.

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Por que o MP do Paraná resolveu apresentar essa proposta anticorrupção ao Congresso?

Porque não há uma política criminal dentro do sistema penal brasileiro contra os crimes de corrupção. A legislação prevê penas mínimas de 2 a 12 anos, cumpridas em regime aberto e com substituição da pena por, por exemplo, prestação de serviços sociais. A legislação para esses crimes é a mais liberal se comparada com às da Europa e até com as de países vizinhos, como a Argentina e o Paraguai. E há ainda a prescrição retroativa, que recalcula os prazos desde a denúncia, quando sai a sentença. Ou seja, a sentença não existe, pois quando ela é dada, o crime já prescreveu. Também não há prisão cautelar para esse tipo de crime. E, com o réu solto, o processo anda a passos de tartaruga. Tem de haver, portanto, um aumento das penas, um reforço do direito penal nesse sentido e uma política criminal própria para a corrupção. Esses são crimes complexos, com investigações difíceis e a vítima, que é a administração pública, é silenciosa. Ela não tem boca para denunciar.

Por que o senhor acha que o Brasil olha com tanta obscuridade para a corrupção?

Porque esse é um sistema viciado, desde o século 19. O sistema foi feito para controlar as classes baixas, menos favorecidas. Com a globalização, a chegada do poder econômico, as agências estatais começam a falhar – muitas vezes devido à corrupção. O estado não opera, é apenas um gerente fraco, pois o poder passou a ser econômico, e não político. A corrupção é uma rede na qual o Estado está diminuído. O corrupto, que muitas vezes é algum político, virou vidraça porque é o lado mais fraco. O corruptor é que tem o poder, o dinheiro. O crime de lavagem de dinheiro, por exemplo, só passou a existir em 1997. E o crime contra o sistema financeiro, em 1986. E só agora, quando os cidadãos e a opinião pública perceberam que são vítimas desses crimes, pois a carga tributária aumenta, não há políticas sociais e o Estado arrecada menos, é que se atentou para o problema que é a corrupção. A corrupção existe há décadas, mas era menos vista.

Há uma parte do poder político que defende a regulamentação do lobista, aquele que defende interesses de empresas, junto a parlamentares. O que o senhor acha disso?

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Um absurdo. Isso significa consagrar o tráfico de influência, pois é isso que o lobista faz. As corporações ganham com a regulamentação dos lobistas. É uma ética torta. Com isso, estaremos passando a considerar banal o que está errado. O artigo 332 do Código Penal fala justamente do tráfico de influência, que é solicitar para si vantagem a pretexto de influir em ato praticado por funcionários públicos. É essa a função do lobista.

O Supremo Tribunal Federal está para julgar o impedimento do MP em investigar crimes. Isso não atrapalharia?

Sim. Seria um malefício para o país. Quem faz hoje a repressão são as polícias. E elas estão vinculadas; pertencem ao Executivo. Daí, as polícias estão mais suscetíveis a ingerências do Executivo. E não há interesse ao corruptor e a muitos corruptos que o Ministério Público investigue, pois seria uma força independente.