Ministros do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva saíram nesta sexta-feira em defesa dos repasses feitos pelo governo a entidades que invadem terras, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Em Porto Alegre, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, disse que não há irregularidades nos repasses e chegou a alegar que é impossível associar as entidades beneficiadas com recursos públicos a movimentos sociais como o MST. Segundo ele, essas vinculações são suposições.
Cassel disse desconhecer as ligações entre entidades beneficiadas pelo governo e o MST, que, no entanto, são conhecidas por todos da área. "Não passamos nenhum centavo para o MST. O que existe são suposições de que possa haver cooperativas, empresas ou ONGs que tenham vínculos com o MST", disse.
"Essas pessoas são contratadas pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário, por exemplo, para prestar assistência técnica. Existem prestações de conta rigorosas para isso", afirmou Cassel.
O ministro disse que seria ilegal suspender o repasse para uma entidade pelo fato de ela ter simpatizantes de movimentos sociais. "Não posso, por lei, discriminar uma entidade porque ela tem simpatizantes do movimento A ou B, do partido político ou de alguma religião. Quando uma entidade presta serviço ao governo, é porque tem CNPJ e cumpre as exigências legais."
A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, e o ministro da Justiça, Tarso Genro, também se manifestaram nesta sexta-feira sobre o repasse de recursos do governo federal para movimentos sociais como o dos sem-terra.
Levantamento feito pelo jornal O Globo mostra que, desde 2002, o governou repassou R$ 49,4 milhões para movimentos que invadem terras, o que é proibido pela legislação. Enquanto a ministra se manifestou a favor da destinação dos recursos, Tarso, em nota, disse que a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas devem analisar se os repasses são ou não ilegais.
Na quarta-feira, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, criticou as invasões dos sem-terra comandadas por José Rainha, líder dissidente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), durante o carnaval no Pontal do Paranapanema, em São Paulo. Segundo Gilmar Mendes, as ações extrapolam os limites da legalidade e a lei impede o poder público de financiar esses grupos. Nesta sexta, o MST rebateu, em nota, as críticas de Mendes e disse que não usou "nenhum centavo" de dinheiro público.
Em Florianópolis para a inauguração da nova linha de transmissão de energia elétrica entre Desterro e Palhoça, Dilma disse que ao repassar os recursos para os sem-terra, o governo está cumprindo a legislação. "Nós não operamos com nenhuma ilegalidade. E não há nenhuma manifestação formal do Judiciário (sobre o assunto)", afirmou a ministra, que disse respeitar a opinião de Gilmar Mendes.
Já Tarso lembrou que a PF instaura inquéritos sempre que recebe notícias crime (originárias do Tribunal de Contas, de uma outra fonte, ou por requisição do Ministério Público), não apenas em assuntos de organizações de sem-terra. Ele disse que há órgãos responsáveis para apurar se há algum tipo de irresponsabilidade na destinação dos recursos.
"Se tiver alguma irregularidade que envolva órgãos federais, é remetida para a PF realizar o inquérito. Então, nós recebemos com normalidade a manifestação do presidente do Supremo Tribunal Federal, e não temos nenhum comentário de conteúdo a fazer sobre elas", disse o ministro na nota divulgada pelo Ministério da Justiça.
Tarso: 'Violações de propriedade privada são questões de ordem pública'
Nenhum dos ministros deu uma palavra sequer para condenar atos criminosos em Pernambuco, onde líderes do MST mataram quatro seguranças de fazendas. Em nota, o ministro da Justiça, Tarso Genro, disse apenas que a apuração dos crimes cabe às polícias estaduais.
"Do ponto de vista do Ministério, temos consciência de que essas violações de propriedade privada são questões de ordem pública, de responsabilidade dos estados, da polícia estadual e da justiça estadual", afirmou o ministro.
De acordo com Tarso, a Força Nacional sempre esteve à disposição para dar o respaldo necessário, não apenas nesses casos específicos, mas também para qualquer questão em que o governo local precise de reforço em suas operações policiais. O ministro acrescentou que quando há algum tipo de ocupação de um órgão federal, a Polícia Federal costuma agir de forma pacífica na retiradas dos manifestantes, pois "não é competência da União fazer policiamento ostensivo repressivo".
O MST aparece com destaque entre os mais de 70 movimentos que invadem fazendas no país, e está sempre no topo da lista das invasões. Em 2007, a participação do movimento nessas ações atingiu, proporcionalmente, seu ápice: o MST foi o responsável por 217 (72,8%) das 298 invasões registradas no país naquele ano. Em 2008, o MST foi o responsável por 132 (57,3%) das 230 ocupações entre janeiro a novembro. Em 2006, o índice foi de 66,5% (171 ações).
Apesar de Cassel negar, há vínculos entre MST e associações
Apesar de Cassel afirmar que não é possível saber se as entidades que recebem verbas são ligadas a grupos que invadem fazendas, os vínculos do MST com associações são mais do que evidentes.
Em Brasília, a Associação Nacional de Cooperação Agrícola (Anca) e o MST sempre foram uma coisa só. Sem qualquer registro na Receita Federal, o MST (nome fantasia) sempre utilizou a Anca - entidade com CGC e registro em Junta Comercial - para fechar todos os seus negócios com o governo federal.
Embora Cassel alegue não saber, era comum ligar para os números do MST em Brasília e, do outro lado da linha, ouvir a telefonista: "Anca, bom dia". Se um interlocutor desavisado achava que tinha errado o número do MST, era logo corrigido por quem atendia e explicava que tudo funcionava no mesmo endereço. No Incra, todos sabem disso.
O senador Álvaro Dias (PSDB-PR), que presidiu a CPI da Terra, diz que MST e Anca são as duas faces de um mesmo movimento. Com base nas informações acumuladas pela CPI, o senador afirma que a Anca é uma cooperativa criada para receber recursos em nome do MST. O movimento não pode receber recursos diretamente do governo porque não tem personalidade jurídica.
"A Anca e também a Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária) são um braço avançado do MST. É através delas que o governo repassa recursos ao MST", diz Dias.
O senador afirma ainda que as irregularidades apontadas por Gilmar Mendes em relação à transferência de recursos públicos para o MST, não são novidade. Segundo ele, dados da CPI mostram que recursos da reforma agrária foram usados para a confecção de cartilhas e até de CDs do movimento. Dirigentes da Anca em Brasília e em São Paulo não foram localizados para responder ao Globo.
Promotor contesta versão de legítima defesa em Pernambuco
O promotor agrário de Pernambuco, Edson Guerra, contestou nesta sexta o argumento do MST de que os líderes do movimento que mataram quatro seguranças de fazendas em São Joaquim do Monte agiram em legítima defesa. Dois líderes do MST presos em flagrante foram indiciados por homicídio qualificado.
"Se a pessoa, no início, está se defendendo e depois começa a atacar quem já está imóvel, deixa de ser legítima defesa e passa a ser homicídio qualificado", disse Guerra.
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