Já virou voz corrente em Brasília uma avaliação sobre a diferença de temperamento entre os presidentes da Câmara e do Senado: “Eduardo Cunha atua muito com o fígado, enquanto Renan não tem fígado”. Membros do mesmo PMDB, citados por delatores da Lava Jato, conhecedores como poucos das artimanhas do parlamento, Cunha e Renan têm muito em comum. Mas desde que o primeiro ascendeu ao poder na Câmara, Renan, que ocupa a presidência do Senado pela quarta vez, atua dia e noite para se diferenciar de seu par. Frio, dá diariamente passo inverso ao de Cunha.
Ambos assumiram as presidências no início de fevereiro. Cunha, que pela primeira vez passou a comandar uma casa legislativa, não demorou para atacar o governo, constranger o Judiciário e pressionar adversários. Nos meses seguintes, delatado por envolvimento na Lava Jato e denunciado ao Conselho de Ética, manobrou para impedir que seu processo andasse. Em pouco mais de um ano, Cunha se tornou o símbolo maior da crise de valores que atinge a política nacional. Renan ficou em segundo plano.
Em abril do ano passado, quando o governo deixou claro que iria tirar seu aliado Vinícius Lages do Ministério do Turismo, Renan adotou, ironicamente, um discurso antifisiológico: “Nós não vamos aceitar barganha de forma nenhuma. A fundamental mudança que temos que fazer no Brasil é exatamente essa: uma reforma do Estado para que essas coisas deixem de acontecer. E que ocupem os cargos as pessoas que têm os melhores perfis”. O governo entendeu o recado, lhe fez afagos, e desde então conseguiu a parcimônia do presidente do Senado.
A difícil relação entre Renan e Michel Temer é histórica. Um lidera o grupo do Senado, o outro o da Câmara. No entanto, agora há a perspectiva de Temer virar presidente e se tornar hegemônico no partido e na política nacional. Isso reduziria radicalmente a esfera de influência do presidente do Senado. Hoje, seu maior poder é controlar o tempo. Disso depende a vida do governo Dilma e o surgimento de um eventual governo Temer.
Na contramão da condução imperial de Cunha na Câmara, Renan conseguiu ontem no Senado um acordo em torno de prazos de forma que prevalecesse seu desejo de votar o impeachment na segunda semana de maio. Apesar de o prazo não agradar plenamente a nenhum dos lados, acabou elogiado por tucanos e petistas. Enquanto se mostrar um ponto de equilíbrio em meio à radicalização política reinante, Renan sabe que nem a oposição nem o PT irão transformá-lo em alvo principal. Nas ruas, a maioria seguirá pedindo a cabeça de Cunha, e não a dele.
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