Em algumas tampas de bueiros de Curitiba que resistiram à ação do tempo e de assaltos, está estampada aquela que foi uma das primeiras marcas industriais da cidade. Os produtos Marumby, fabricados pela antiga Fundição Mueller a partir de 1878, foram muito utilizados na urbanização de Curitiba. Além das tampas, a fábrica foi a fornecedora municipal de postes e bancos de praças por várias décadas. Mas foi com o seu fechamento, por volta de 1970, que ela interferiu pra valer no visual da cidade. No terreno da antiga fábrica, mantendo-se a fachada original, foi erguido o primeiro shopping do Paraná, o Mueller, o precursor de uma série de empreendimentos que exigiram muitas modificações viárias em espaços nobres curitibanos.
Na Cândido de Abreu daquela época início da década de 80 qualquer nova construção deveria ser feita com um recuo de 10 metros da rua. Isso inviabilizaria o projeto pré-concebido para o shopping. Optou-se, então, por manter intacto o lado exterior da antiga metalúrgica, o que garantiu aos empreendedores do Shopping Mueller a possibilidade de construir no alinhamento da rua.
Desde então predomina em Curitiba, assim como em várias cidades brasileiras, um jogo de troca-troca, pelo qual grandes empreendedores conseguem, quase que invariavelmente, erguer prédios de qualquer tamanho em qualquer bairro. Empresários, pesquisadores e governo concordam que toda obra gera impactos bons e ruins e cabe ao poder público mensurar todos os efeitos e exigir medidas compensatórias e mitigatórias para liberar as construções.
Mecanismos
Os governantes têm em mãos mecanismos para controlar esse processo, mas a sociedade pode ter ainda mais ferramentas. Na Universidade Positivo (UP), professores e alunos dos cursos de Direito e Arquitetura e Urbanismo juntaram forças e conhecimentos para desenvolver o projeto de um Estudo de Impacto da Vizinhança (EIV), mais completo do que os que são atualmente utilizados. "Para o estudo ser bem aplicado, precisamos ter audiências públicas. Temos muito a ganhar se participarmos das discussões e sabermos o que de bom e de ruim uma obra vai causar. Os efeitos mais visíveis são os viários, mas os impactos vão muito além disso", diz a professora Jussara Maria Silva, de Arquitetura.
Leandro Franklin, professor de Direito da UP, também destaca a importância das audiências públicas, mas aproveita para atacar o modelo vigente: "Até onde a gente vai mudar a nossa cidade de acordo com interesses privados?", questiona. Para ele, os impactos sociais não são levados em conta quando o poder público municipal flexibiliza algumas normas para favorecer empreendimentos. Como exemplo, ele cita as mudanças na região do Ecoville.
De descampado, o Campo Comprido virou uma linha de produção de edifícios; tanta gente com tanto dinheiro despertou o pronto interesse de empresários, os quais tiveram a permissão para erguer o ParkShopping Barigüi em uma área de preservação permanente. O problema todo, diz o professor, é que a cidade foi projetada por um pequeno grupo de tecnocratas. "As políticas públicas não podem ser feitas de forma isolada. Quando pensamos em planejamento e desenvolvimento, temos que abordar aspectos urbanísticos, sociais e econômicos. Temos que garantir o acesso das pessoas a uma paisagem, aos direitos sociais como moradia e saúde e também ao trabalho digno e à renda."
É ruim mais é bom
Melhorias viárias e algumas facilidades podem ser concedidas pelos governos de acordo com o grau de vantagem que o novo espaço proporcionará, como vagas de emprego, por exemplo. Na maioria das vezes, são os próprios empreendedores que arcam com os custos das obras viárias. O Shopping Palladium, inaugurado em maio deste ano, providenciou a passagem de nível sob a Avenida Kennedy e a nova pista da avenida, a qual deve ser liberada em breve. Já desembolsou R$ 7 milhões, mas para quem passa de carro ou de ônibus pela região, isso pouco importa. O trânsito ficou muito ruim.
De fora, é o caos, mas dentro, é tudo o que os curitibanos querem. São 15 shoppings na cidade, o mesmo número de Belo Horizonte, que tem 700 mil pessoas a mais. "O shopping é muito útil pra todo mundo, principalmente para nós, que moramos perto. E se ali não virasse um shopping, ia ser o quê?", diz Carlos Alberto de Sousa e Silva, síndico e morador de um edifício ao lado do Mueller há 30 anos. Fica a pergunta.
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