Quando o promotor de Justiça Sílvio Antonio Marques nasceu, há 39 anos, Paulo Maluf já tinha começado sua carreira política. Foi presidir a Caixa Econômica Federal e, nomeado prefeito em 1969, durante a ditadura, Maluf nunca mais quis deixar o poder, acumulando ao longo da carreira mais de 400 processos, muitos por corrupção, sem nenhuma prisão. Até o dia 10. Agora, mesmo se escapar da prisão preventiva, não gozará da prescrição, e toda a sua família, que está com os bens bloqueados, responderá pela devolução de R$ 5 bilhões aos cofres públicos.
Promotor há 14 anos, Sílvio Marques iniciou carreira inspirado no caso PC Farias, armado de novos instrumentos jurídicos, como a Lei da Improbidade, de 1992. Foi com ela que, há quatro anos, conseguiu impedir a prescrição dos supostos crimes de Maluf, do último mandato de prefeito, entre 1993 e 1996.
Sílvio Marques é considerado o principal responsável pela montagem da maior e mais complexa investigação internacional de rastreamento de dinheiro público já feita no Brasil. O propósito é fazer Maluf devolver os R$ 5 bilhões, inclusive com o repatriamento de US$ 200 milhões que estão no exterior, cujo destino definitivo ainda não foi descoberto, no intrincado de operações financeiras feitas em vários países, passando pela Suíça, Ilhas Jersey e Estados Unidos.
As provas para o repatriamento do dinheiro de Maluf foram produzidas nestes quatro anos em 210 mil cópias de documentos bancários. Documentos que, unidos a milhares de quebras de sigilos bancários, fiscais, telefônicos e depoimentos, ocupam todo um andar do prédio do Ministério Público do Estado, na Rua Minas Gerais, em São Paulo.
É um exemplo da possibilidade de se investigar enriquecimento ilícito no Brasil afirma o promotor, na sala que ocupa, quatro andares abaixo do andar inteiro onde fica a documentação contra Maluf.
O ex-prefeito ainda responde a 39 ações públicas, estaduais e federais. Sílvio Marques é autor de sete delas. Conseguiu bloquear todos os bens dos Maluf e de quatro grandes empreiteiras.
Ele (Maluf) me detesta. Mas eu não tenho raiva dele, não diz o promotor, que já viajou à Suíça e foi duas vezes aos Estados Unidos atrás das contas dos Maluf, convencendo as autoridades internacionais a ceder documentos e abrirem investigações próprias.
Marques pensa que ainda dedicará muitos anos à saga malufista, inclusive por outros países.
Ainda vem muita coisa por aí avalia.
Nestes quatro anos, Sílvio Marques desencadeou uma verdadeira peregrinação atrás dos Maluf também dentro do país. Nos casos do Banestado, dos precatórios, nas CPIs, em quase tudo o que havia suspeita de corrupção ele procurou os Maluf.
Mas, afinal, como Sílvio Marques iniciou a sua história com a família do ex-prefeito?
Foi aleatoriamente conta.
Ele explica que "ganhou" o caso em um sorteio entre os promotores da Cidadania. Segundo ele, a investigação sobre as contas de Maluf nas Ilhas Jersey estava sendo feita por um promotor criminal, que não avisou à Promotoria da Cidadania, encarregada dos crimes de improbidade. O promotor que estava no caso teria contado a história apenas a um jornalista, que a publicou:
A história existia, mas, por incrível que pareça, a gente não sabia. Soubemos pelo jornal, em junho de 2001. Daí, sim, o caso veio para a Cidadania e nós conseguimos interromper a prescrição do crime de improbidade e prever o ressarcimento do dinheiro. Tudo com base na Lei da Improbidade.
As investigações de Sílvio Marques, auxiliado pelos promotores Sérgio Turra Sobrani e José Carlos Blat, também estavam sendo feitas pelo Ministério Público Federal, desde 2001. O confronto foi inevitável. Inclusive no plano internacional. As autoridades dos demais países não entendiam como poderiam ter que falar com dois ministérios públicos. A pendenga acabou decidida pela Justiça: cada um na sua atribuição. O MPE ficou com a área cível e o MPF com a criminal. As cartas rogatórias foram, enfim, unificadas.
Os envolvidos garantem que a peleja terminou e que cada sucesso foi conquistado graças ao trabalho de equipe.
Nesse tipo de investigação, é impossível trabalhar sozinho. Não existe trabalho do Sílvio Marques, mas de um grupo, que inclui o MPF, a PF, o Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e o DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica). Não há heróis nesta história, mas pessoas bem-intencionadas, indignadas com a ladroagem afirma.
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