A Polícia Federal (PF) deflagrou nesta terça-feira (28) a 16.ª fase da Operação Lava Jato, batizada de “radioatividade”. Entre os alvos da força-tarefa, foram presos o presidente licenciado da Eletronuclear, o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, e Flavio Barra, presidente da AG Energia, braço da empreiteira Andrade Gutierrez. Othon da Silva havia pedido afastamento do cargo em abril, após virem à tona notícias de que teria recebido propina nas obras da usina de Angra 3. A Eletronuclear é uma subsidiária da Eletrobras responsável pelas usinas nucleares do país.
Lava Jato começa a explorar setor elétrico do país
Foram presos nesta terça-feira (28) Othon Luiz Pinheiro da Silva, presidente licenciado da Eletronuclear, e Flavio Barra, presidente global da AG Energia, braço da Andrade Gutierrez.
+ VÍDEOSPor que as estatais viraram o “paraíso” da corrupção?
- Luis Lomba, especial para a Gazeta do Povo
Muito dinheiro e ingerência política, acompanhados de pouca transparência transformaram as estatais no paraíso da corrupção. A avaliação é do secretário-geral da ONG Contas Abertas, Gil Castelo Branco. A identificação das causas do problema dá o caminho para a solução: menos ingerência política e mais transparência e controle social das estatais. “Estatais movimentaram R$ 1,4 trilhão em 2014, entre recursos próprios e de financiamentos, e não há controle sobre boa parte desses valores”, afirma ele.
As denúncias de corrupção na Eletronuclear não surpreenderam Castelo Branco. “Esses desdobramentos já vinham sido cogitados pelos procuradores da Lava Jato. Essa nova etapa da operação confirma a expectativa”, diz. Para ele, o aprofundamento das investigações pode conectar casos de corrupção em estatais desde o mensalão. “Naquele primeiro momento vieram à tona os desvios nos Correios, Banco do Brasil e Visanet. Depois, a Petrobras. Agora, a Eletronuclear. Acredito que as investigações possam levar a irregularidades nos fundos de pensão e no BNDES, onde também há muito dinheiro e ingerência política e pouca transparência”, afirma.
Castelo Branco aponta a necessidade de os sistemas de controle serem revistos, para garantir a transparência dos gastos das estatais. “Nada havia sido detectado pelos órgãos internos, auditorias externas, conselhos fiscais e de administração, Comissão de Valores Mobiliários, Ministério do Planejamento, que tem um departamento específico para isso. Tribunal de Contas e Advocacia-Geral da União também não detectaram nada nos últimos anos, a não ser problemas pontuais em algumas obras”, diz. “Todos os órgãos de fiscalização têm que fazer esse mea culpa.”
Um dos obstáculos à transparência, segundo ele, é o Decreto 7724/2012, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação. “O parágrafo primeiro da lei [12.527/2011] deixa claro que a obrigação de prestar informações inclui as estatais, mas o decreto que a regulamentou é mais restritivo”, explica. O parágrafo 1.º do artigo 5.º determina que a divulgação de informações de empresas públicas e sociedades de economia mista controladas pela União que atuem em regime de concorrência se submete às normas da Comissão de Valores Mobiliários. Mas o que seria um meio de preservar informações estratégicas das empresas acaba criando um biombo para esconder operações ilícitas.
Othon é suspeito de ter recebido R$ 4,5 milhões em propina entre 2009 e 2014 das empresas Andrade Gutierrez e Engevix para favorecê-las nas licitações das obras de construção de Angra 3. De acordo com a força-tarefa da Lava Jato, os pagamentos foram realizados por meio de empresas intermediárias, a maioria de fachada, para a empresa Aratec Engenharia, que pertence a Othon. Um dos pagamentos, de R$ 252 mil, ocorreu em dezembro de 2014 – mês seguinte à deflagração da 7.ª fase da Lava Jato que prendeu os primeiros executivos de grandes empreiteiras do país.
Veja como funcionava o esquema de pagamento de propina
“Esta fase da Operação Lava Jato apura indícios de que contratos da Eletronuclear também eram viciados com corrupção”, disse o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Athayde Ribeiro Costa.
“Claramente está se repetindo [no setor elétrico] o mesmo modelo de contratação com o governo [da Petrobras], que inclui superfaturamento, pagamento de propina, facilitação por parte de agentes públicos e formação de cartel”, disse o delegado da PF Igor Romário de Paula. Ele ressaltou ainda que as investigações na Eletronuclear estão no início. “Para quem vem acompanhando a Lava Jato pode até achar que os valores hoje mencionados são pequenos, mas temos que considerar que é o primeiro passo na investigação dentro da área de energia”, diz Igor de Paula.
O juiz Sergio Moro determinou o bloqueio de R$ 60 milhões, sendo R$ 20 milhões igualmente divididos das contas de Othon Silva, de Flavio Barra e da Aratec.
Delação
As investigações referentes aos contratos em Angra 3 começaram com a delação premiada de Dalton Avancini, ex-presidente da Camargo Corrêa. Segundo despacho de Moro, Avancini “relatou acertos para pagamento de propina em licitações e contratos de obras em Angra 3 após a tomada de medidas pela Eletronuclear para restringir a concorrência do certame”.
Ainda segundo a decisão que determinou a prisão dos suspeitos, “a adoção de medidas de restrição à concorrência foram confirmadas documentalmente, o que levou ao êxito no certame das empreiteiras Camargo Corrêa, UTC Engenharia, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Techin e EBE, que formaram o Consórcio Angramon”.
Presos
Entenda quem são os presos da 16ª fase da Operação Lava Jato:
Othon Luiz Pinheiro
da Silva
Presidente licenciado da Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, ele é acusado de receber propina para favorecer empresas nas licitações.
Flavio Barra
Presidente da AG Energia, braço da empresa Andrade Gutierrez, é apontado como representante da empresa que discutia o pagamento de propina por obras em Angra 3.
Além do contrato firmado pelo consórcio, os contratos da Engevix com a Eletronuclear também estão sob investigação. Um aditivo renegociado em 2009 pela Andrade Gutierrez no valor de R$ 1,2 bilhão é considerado suspeito.
Na decisão que decretou a prisão temporária – com prazo de cinco dias corridos – de Othon e de Flavio Barra, Moro argumenta ainda que “há, afinal, prova relevante de crimes de fraude a licitações, corrupção e lavagem de dinheiro, bem como que os investigados teriam se associado para praticar em série crimes de gravidade”.
Outro lado
A Andrade Gutierrez informou que sempre esteve à disposição da Justiça e disse que seus advogados estão analisando os termos da ação da PF para se pronunciar posteriormente. A defesa de Othon Luiz Pinheiro da Silva, declarou estar em fase de análise dos motivos que levaram à prisão. Já o advogado de Flavio Barra não foi localizado.
Polícia cumpriu 30 mandados judiciais
A Polícia Federal cumpriu nesta terça-feira (28) 30 mandados judiciais, sendo 23 de busca e apreensão, dois de prisão temporária e cinco de condução coercitiva – quando a pessoa precisa ir até a delegacia prestar esclarecimentos. A operação aconteceu nas cidades de Brasília, Rio de Janeiro, Niterói (RJ), São Paulo e Barueri (SP). Os mandados de condução coercitiva foram contra Renato Abreu, da empresa MPE; Fabio Gandolfo, executivo da Odebrecht; Petrôneo Brás Junior, da Queiroz Galvão; Ricardo Marques, da Techint Engenharia; e Clóvis Peixoto Primo, executivo aposentado da Andrade Gutierrez. “Esses executivos foram apontados como representantes dessas empreiteiras integrantes do consórcio Angramon, que discutiam valores referentes a vantagens indevidas que seriam pagas ao executivo da Eletronuclear”, disse o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Athayde Ribeiro Costa. Já os mandados de busca e apreensão foram expedidos contra nove suspeitos e as empresas Eletronuclear, Aratec Engenharia Consultoria e Representações.
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