Cada um sabe de si, é o que dizem. Será mesmo?
O trabalho realizado por um departamento do governo britânico tem mostrado que muitas vezes o cidadão precisa de uma ajudinha para fazer as melhores escolhas para si mesmo e para a comunidade em que vive, a despeito de parecerem óbvias.
Trata-se da Nudge Unit, ou, oficialmente, The behavioural insights team (algo como “Time das ‘sacadas’ comportamentais”), que estuda como as pessoas se comportam diante de situações diversas e como o governo pode trabalhar para que as políticas públicas funcionem melhor e alcancem a maior adesão possível.
A equipe liderada pelo filósofo e cientista comportamental David Halpern existe há apenas seis anos, mas já mostrou a que veio: por meio de estratégias sutis, conseguiu aumentar o número de doadores de órgãos; ampliar a capacidade do Centro de Trabalho britânico de gerar vagas de emprego e reduzir em 15% o número de inadimplentes junto à Receita e Alfândegas da Coroa. O segredo de tamanho sucesso é o nudge.
Brasil engatinha
No Brasil, a aplicação de estratégias da teoria nudge ainda não é popular. Fernando Nogueira da Costa, professor e pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, lembra de uma proposta que tramita no Congresso Nacional a pedido da Fundação de Previdência Complementar dos Servidores Públicos Federais para tornar a adesão ao plano de aposentadoria automática para funcionários da categoria.
“Não é uma imposição porque aqueles que não desejarem o benefício poderiam optar por deixar esse sistema de poupança. Mas em países que adotaram a medida, tanto o número de poupadores como o percentual de renda poupado superam o de países onde o regime deixa o funcionário decidir se irá ou não aderir ao plano de pensão.”
Empurrãozinho
“Nudge” significa empurrar ou cutucar alguém, de leve, para chamar sua atenção. Em sentido figurado, significa persuadir ou encorajar sutilmente. O jurista Cass Sustein, professor de Harvard, define a expressão como uma intervenção cujo intuito é influenciar a tomada de decisão sem, no entanto, cercear a liberdade de escolha do indivíduo.
Em resumo, o princípio do nudge é utilizar conhecimentos da neurociência, da psicologia e do marketing para estimular e balizar decisões e conquistar a adesão espontânea dos indivíduos. Assim, o nudge excluí todas as medidas que ameaçam, punem ou proíbem alternativas.
Os empurrõezinhos pretendem estimular todo tipo de comportamento benéfico para o indivíduo, para a coletividade e, claro, para o governo – como pagar todos os impostos em dia; utilizar recursos naturais de forma inteligente ou dirigir de forma mais responsável. Entre os exemplos citados por Sustein estão advertências nos maços de cigarros; configurações padrão dos aplicativos; lembretes sobre contas e impostos em atraso e intervenções artísticas nas vias para reduzir a velocidade (como imagens de crianças atravessando a rua pintadas em faixas de segurança).
Críticas
A aplicação da teoria do empurrãozinho não é imune às críticas. Muitos teóricos acusam-na de manipuladora e paternalista. A cientista política Suzanne Mettler, da Universidade de Cornell, argumenta que as políticas governamentais que recorrem ao nudge tratam os cidadãos como consumidores que precisam de ajuda para tomar decisões, o que avançaria sobre princípios básicos da democracia e liberdade individual.
Na avaliação de Fernando Nogueira da Costa, pesquisador do Instituto de Economia da Unicamp, as cutucadas não são ordens impostas de maneira totalitária, embora rompam com o pressuposto racionalista de que “cada qual sabe o que é melhor para si”. O principal argumento em defesa da teoria é de que a intervenção orientadora deve ser fácil de evitar – e sem custo.
“É um caso de ‘servidão voluntária’, mas isso porque as pessoas, em geral, abominam a complexidade e adotam a inércia, inclusive, por exemplo, a configuração de fábrica de aparelhos eletrônicos. A teoria nudge trata de tomar a priori as decisões mais racionais para o cidadão. A posteriori, as pessoas têm a opção de alterá-las e escolher o que acha melhor para seu perfil.”
Grande impacto
Profissionais de nudge trabalham para descobrir quais palavras e conceitos tornam os cidadãos mais propensos a fazer a melhor escolha; abaixo, alguns princípios do nudge:
Estratégias de comunicação que façam o cidadão perceber que a comunidade próxima a ele adere a um projeto ou cumpre determinada obrigação, como pagar impostos, se mostraram eficazes. É a velha história de cuidar da grama do vizinho.
Pesquisadores da Universidade de Stanford que estudam enquadramento da mensagem para promover comportamentos saudáveis descobriram que informações positivas sobre a adesão a alguma ideia são mais eficazes do que informações negativas sobre a não adesão. Em um dos testes, com idosos, constatou-se que o grupo informado sobre os benefícios da caminhada andou mais do que o grupo informado sobre as consequências do sedentarismo.
Inscrição automática em programas de educação, saúde e previdência. Sustein explica que a adoção de regras padrão pode ser eficaz, pois muitas vezes o fracasso de um programa governamental acontece porque ele é projetado para que as pessoas tomem a decisão de aderir; mas estudos mostram que o melhor é deixar que as pessoas decidam cancelar a adesão se não quiserem participar.
Fonte: Nudging: A Very Short Guide, de Cass R. Sunstein
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