Em menos de duas semanas, o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff será submetido à votação na Câmara. A data, uma “quarta-feira 13”, foi definida por Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da casa. A votação pode se estender até o fim de abril, conforme as sessões forem realizadas. Mesmo com os 30 dias de sempre, abril deve ser um mês longo para os brasileiros.
Daqui até o dia da grande votação, a oposição deverá se articular para conseguir os votos de 342 deputados, mínimo necessário para afastar Dilma do cargo e o processo avançar para o Senado, que decidirá pelo impedimento ou não da presidente. Ao mesmo tempo, partidos de sustentação terão de se posicionar: ou mantêm o apoio ou rompem as relações com o governo federal.
Além disso, há o termômetro das ruas, que têm sido palco de debates apaixonados e por vezes irracionais, colocando em conflito posições e convicções cujos desdobramentos ultrapassam o voto e alcançam a vida cotidiana e prática. Grandes manifestações são esperadas e a mobilização civil pode ser determinante do que vai acontecer na Câmara em algumas semanas.
Às vésperas do que pode ser o encerramento de um dos capítulos mais dolorosos da política brasileira, seja qual for seu desfecho, a Gazeta do Povo se debruçou sobre o passado para relembrar como foi a véspera da votação do processo de impeachment de Fernando Collor, em 1992 e procurar semelhanças entre dois momentos decisivos da democracia brasileira.
342
Número de deputados que a oposição precisa convencer a votar pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff. Expectativa é saber para que lado pendem os partidos de sustentação.
84%
Índice de desaprovação popular do presidente Fernando Collor, em 1992. Diante da rejeição dos brasileiros, Collor se dizia vítima de um golpe civil.
Spoiler: foi fulminante. E irreversível.
Presidentes isolados
No mês que antecedeu esse resultado, Collor, já afastado do cargo, estava politicamente isolado e enfraquecido. Não podia contar com apoio no Congresso – PMDB, PSDB e PT eram alguns dos partidos favoráveis ao impedimento. Mesmo o PFL, partido que compunha com o governo federal e cujo nome forte na época era o governador baiano Antônio Carlos Magalhães, não conseguiu fazer com que sua bancada votasse contra o impeachment.
Nas ruas, o cenário era ainda pior. Ao longo de todo o ano, milhões de pessoas foram às ruas das grandes cidades brasileiras vestidos de preto para exigir a renúncia. Algumas semanas antes da votação em plenário, 84% da população queria sua saída. Derrotado, Collor teria dito a amigos que caiu “sob um golpe civil”.
As semelhanças com a situação enfrentada por Dilma são evidentes. Pesquisa do Datafolha mostrou que, em março, 68% dos brasileiros defendem a queda da presidente.
No xadrez partidário, o jogo tampouco vai bem para a petista: dias atrás o PMDB, então o maior aliado do governo, saiu oficialmente da base governista. O temor agora é de que o rompimento provoque um efeito dominó em outras legendas aliadas, como PC do B, PP, PDT e PSD.
Deputados contra
Collor foi afastado da presidência em 29 de setembro de 1992, quase um mês depois de aceito o pedido de impeachment feito em conjunto pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
A sessão histórica da Câmara que aprovou o impeachment começou às 9 horas com apenas 62 deputados no plenário. À tarde, o quórum chegou a 480 parlamentares. Resultado: 441 votos pelo impeachment, 38 contra e uma abstenção.
Dos 30 deputados federais paranaenses, 27 disseram “sim” ao impeachment. Os dois deputados que votaram contra eram Abelardo Lupion (PFL) e Basílio Villani (PDS).
Estavam lá nomes conhecidos, como Aécio Neves, José Serra, Nelson Jobim, Ulysses Guimarães, José Dirceu, José Genoíno, Roberto Freire, Luis Eduardo Magalhães. À exceção do último, todos do mesmo lado: pró-impeachment. Telões foram montados nas praças das principais cidades brasileiras.
A situação de Dilma não é muito melhor que a de Collor junto aos deputados do Paraná. Se depender da bancada paranaense, o impeachment será aprovado. A Gazeta do Povo entrou em contato com os 30 parlamentares e 20 deles disseram que vão voltar a favor da cassação da presidente. Nem mesmo os deputados da base aliada da presidente – formada pelo PP, PR e PSD – afirmaram que votarão contra o impeachment. Nos partidos de oposição, o voto favorável é quase uma unanimidade.
Apenas quatro deputados do Paraná disseram ser contrários ao impeachment. Dois deles são petistas: Ênio Verri e Zeca Dirceu. Nelson Meurer (PP) e Toninho Wandscheer (Pros) afirmaram que também votarão contra a cassação. No entendimento deles, não há legalidade no processo instaurado, pois não há crime de responsabilidade denunciado.
Motivos diferentes
Dilma conta com uma vantagem que Collor não tinha à época: o apoio de parte das organizações estudantis; de grupos de juristas e advogados; da Central Única dos Trabalhadores e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Enquanto o impeachment de Collor foi apoiado em peso por todos esses setores da sociedade, a cassação de Dilma divide essas categorias.
A razão disso tem a ver com a discordância sobre o crime de responsabilidade atribuído à Dilma. Enquanto Collor foi alvo de uma CPI que comprovou o envolvimento do presidente em um esquema de corrupção liderado pelo seu ex-tesoureiro, a acusação que pesa contra Dilma são as pedaladas fiscais de 2015, cujas contas ainda não foram aprovadas. No entanto, há divergência sobre se as pedaladas constituem crime de responsabilidade ou não; por enquanto, Dilma não é ré em nenhum processo.
O caminho
Relembre a crise política que culminou com o impeachment de Fernando Collor, em 1992:
Primeiras denúncias
Fevereiro: Pedro Collor, irmão do presidente Fernando Collor de Mello, acusa publicamente Paulo Cesar Farias, PC, de usar a amizade com o presidente para enriquecer ilicitamente. PC Farias foi tesoureiro da campanha presidencial de Collor.
Irmão desafeto
Março: Pedro Collor entrega documentos que comprovavam as atividades irregulares de PC Farias. Depois, acusa o ex-tesoureiro de ser testa de ferro do presidente. Após essas declarações, a matriarca dos Collor de Mello destituí Pedro da chefia do grupo da família alegando insanidade do filho.
A Polícia Federal instaura inquérito sobre as atividades de PC Farias e o Congresso cria uma CPI para apurar as denúncias.
Rede de intrigas
Junho: As denúncias começam a envolver mais nomes. Renan Calheiros, ex-aliado de Collor, declara que é o “esquema PC” que “verdadeiramente governa o país”.
À CPI, Pedro Collor diz que PC Farias mantinha sociedade informal com o presidente, que recebia 70% dos lucros. Collor é isolado.
Fiat Elba
Julho: CPI descobre cheques nominais de PC Farias em benefício de Rosane Collor, Cláudio Vieira, secretário particular de Collor, e Cláudio Humberto, então assessor do presidente. Uma das provas da relação entre Collor e o esquema de PC Farias é um cheque utilizado para a compra de um Fiat Elba para Rosane.
Brasil vai às ruas
Agosto: Do mesmo lado, OAB, a ABI e CUT lançam o “Movimento Cívico contra a Impunidade e pela Ética”. PMDB e PDS declaram apoio ao impeachment.
Collor chama a sociedade brasileira às ruas para mostrar que apenas uma minoria é favorável ao impeachment. Os manifestantes deveriam ir vestidos de verde e amarelo. O “tiro sai pela culatra” e, no domingo, milhares de estudantes vão às ruas vestidos de preto, exigindo o impedimento de Collor.
OAB e ABI à frente
Setembro: OAB e ABI levam pedido de impeachment à Câmara.
Em 29 de setembro, a Câmara dos Deputados autoriza abertura de processo de impeachment com folga: 441 votos a favor e 38 contra.
Afastamento
Outubro: Processo de impeachment chega ao Senado e Collor é afastado. O vice Itamar Franco assume a presidência interinamente, ficando no posto até as eleições de 1994. As reações internacionais ao impeachment temiam uma possível derrota do programa econômico neoliberal implementado por Collor e um possível retorno ao populismo.
Renúncia
Dezembro: No dia 29, Collor renuncia à presidência antes do julgamento do Senado, para fugir da cassação de seus direitos políticos. No entanto, o Senado dá prosseguimento ao julgamento e o condena à inelegibilidade por oito anos.
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