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Os juristas são conhecidos pela habilidade ao lidar com as palavras. Um exemplo razoavelmente recente desse savoir-faire aparece na gênese de um novo direito, que se encontra sob disputa nos tribunais brasileiros, e atende pela curiosa alcunha de “direito ao esquecimento”.

Haveria um direito de ser esquecido? Longe do “juridiquês”, a pergunta inevitavelmente conduz certo desconforto. Quem ousaria defender o próprio esquecimento em um tempo no qual a exposição, até mesmo dos momentos mais íntimos, está na ordem do dia? Nem os bebês em gestação escapam disso! As conhecidas imagens captadas em ultrassonografias, cuidadosamente reproduzidas e comentadas nas redes sociais, dão conta de um comportamento social pouco devotado ao recato desmemoriado.

Pois bem, em um específico sentido, o “direito ao esquecimento” deriva de algumas consequências nefastas provenientes do excesso de exposição na sociedade contemporânea.

Quem ousaria defender o próprio esquecimento em um tempo no qual a exposição, até mesmo dos momentos mais íntimos, está na ordem do dia?

Rodrido Xavier Leonardo, advogado e professor de Direito Civil na UFPR.

As imagens postadas, os pequenos filmes e os comentários publicados na internet, por vezes irrefletidos, compõem um banco de dados eternizado, de fácil acesso por mecanismos sofisticados de busca, que muitas vezes não permitem o esquecimento ou a desistência. As possibilidades de compartilhamento, por sua vez, têm o condão de espalhar esses dados em medidas nem sequer imaginadas no momento da postagem.

Nessa teia tecnológica, uma hipotética foto constrangedora ou um texto incauto divulgado por um jovem acabam por se transformar em provas desafortunadas que acompanharão a vida do incauto, podendo ser determinantes nas esferas pessoal e profissional.

O direito ao esquecimento, nesses quadrantes, corresponderia ao poder de apagar tais registros que, com o passar do tempo, seriam fonte de um constrangimento que mereceria uma adequada tutela jurídica.

Noutro sentido, o “direito ao esquecimento” é sustentado nos casos em que fatos e situações desabonadoras, públicas e verdadeiras, insistem em incomodar os seus atores e demais envolvidos, que demandam um esquecimento público, alicerçado na passagem do tempo.

Nesses casos, o tal “direito ao esquecimento” acaba por conflitar com outros direitos, tal como o “direito à história”, o “direito à memória” e a liberdade de expressão de pensamentos, ideias e notícias de fatos verdadeiros e públicos.

Um desses embates será em breve julgado pelo Supremo Tribunal Federal. Trata-se de um novo round na batalha judicial movida pelos irmãos de Aída Curi, vitimada por trágico homicídio em 1958, que em tempo recente foi retratado em programa televisivo. O terrível crime sofrido por Aída Curi é amplamente conhecido, sendo objeto de debates públicos, inclusive em estudos acadêmicos. Seus irmãos ainda vivos, por razões que não podem ser desconsideradas, pretendem que o caso seja esquecido, interditando programas televisivos acerca do assunto.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e o Superior Tribunal de Justiça negaram os pedidos formulados pelos irmãos de Aída Curi e, em breve, o Supremo Tribunal Federal deverá julgar definitivamente a questão. Da decisão do Rio de Janeiro, sublinha-se o seguinte fundamento: “o esquecimento não é o caminho salvador para tudo. Muitas vezes é necessário reviver o passado para que as novas gerações fiquem alertas e repensem alguns procedimentos de conduta do presente”.

No pretérito, diante de um fato doloroso e inconveniente, desconhece-se alguém que, com respeito às liberdades democráticas, tenha cogitado a existência de um direito de rasgar as páginas de um livro desabonador ou de incinerar as folhas de um jornal amarelado, guardado em arquivo, que retratasse aquilo que se gostaria de esquecer.

É verdade que os meios de comunicação contemporâneos alteram os limites desse debate, permitindo um alargamento desmedido na exposição das pessoas. As eventuais consequências inconvenientes dessa facilidade de acesso à informação não podem, todavia, genericamente sustentar uma malversação da memória e da história, que são bens de titularidade difusa, de toda a sociedade.

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