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 | Henry Milleo/ Gazeta do Povo
| Foto: Henry Milleo/ Gazeta do Povo

Advogado com atuação em causas polêmicas – como o casamento homoafetivo, o aborto de anencéfalos e a extradição do italiano Cesare Battisti –, Luís Roberto Barroso foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) em junho. E, logo de início no STF, já participou de outro julgamento controverso: o processo do mensalão. De passagem por Curitiba na última sexta-feira, onde participou do Congresso Estadual do Ministério Público, Barroso deu uma entrevista exclusiva à Gazeta do Povo.

Antes de ser ministro, o sr. ficou conhecido por sua atuação como advogado em diversos casos emblemáticos do STF. Como está sendo essa transição do advogado Barroso para o ministro Barroso?

É uma transição relativamente difícil. A primeira grande diferença é que um advogado pode escolher as causas em que vai atuar, ao passo que um juiz, e um ministro do Supremo em particular, é obrigado a decidir o que aparece. Em segundo lugar, eu diria que o Supremo tem uma carga de Direito Penal muito intensa. E eu preciso dizer, com franqueza, que não gosto desse poder de decidir sobre a liberdade ou não das pessoas. Cumpro meu dever, mas não gosto desse papel.

O sr. foi nomeado para o STF no fim do caso do mensalão, e votou na questão dos embargos infringentes. Foi um momento de pressão?

Eu fui para o Supremo depois de uma vida muito feliz na advocacia e na academia, como professor. Fui para cumprir uma missão, e fui com muito gosto. Então, mesmo nos momentos de maior pressão e incompreensão, vivi em paz comigo mesmo.

O mensalão foi provavelmente a ação mais destacada na imprensa na história do STF. Como o sr. avalia a participação da mídia no processo?

A vida democrática tem um fluxo espontâneo que você não consegue, nem deve querer, controlar. Acho que o Brasil vive um momento de plenitude democrática e de um exercício pleno da liberdade de imprensa. Em matéria de liberdade de imprensa, acho que o excesso é melhor do que a escassez. Portanto, não acho que a gente deva se queixar do excesso de intromissão da imprensa. Feita essa ressalva, uma característica desse momento que o Brasil vive é que a imprensa não se satisfaz em noticiar. Ela frequentemente quer ir além e influenciar o julgamento. Como o país é livre, as pessoas podem adotar o comportamento que desejem. Mas quem julga não pode sofrer essa influência.

O sr. se refere ao ministro Celso de Mello, que recebeu uma enorme pressão para votar contra os embargos infringentes [que garantiram o direito a um novo julgamento para alguns réus]?

Não. Estou apenas dizendo que a imprensa em geral e a opinião pública em particular são elementos importantes em um regime democrático, e que um juiz precisa saber lidar com isso. Um juiz não pode julgar para ganhar uma manchete favorável. Cumprir a Constituição muitas vezes significa tomar a decisão que não é a mais popular. O sr. votou favoravelmente aos embargos – o que, no momento, parecia a decisão mais impopular. Qual a justificativa?

O Judiciário muitas vezes tem esse papel contramajoritário. Às vezes, as multidões se embriagam de paixão e é o juiz quem tem que se conservar lúcido. Acho que no mensalão, em alguma medida, isso aconteceu quando os embargos infringentes foram admitidos. Eles estavam na legislação. A meu ver, era fora de dúvida que eles cabiam.

O mensalão mineiro, que envolve o PSDB, deve ser julgado no próximo ano. A repercussão deve ser a mesma que a do mensalão do PT?

Não sei. Da minha parte, vai haver a mesma isenção.

Voltando ao mensalão, a condenação de políticos por corrupção é algo raro no Brasil. Por quê?

Isso não envolve apenas a corrupção. O Brasil é, historicamente, uma sociedade de classes e uma sociedade na qual o Direito Penal, tradicionalmente, foi muito seletivo. O Direito Penal só alcança pobres. Ou pior, pobres mal defendidos. O país nunca foi aparelhado adequadamente para a punição da criminalidade econômica. Nesse sentido, o mensalão foi um ponto fora da curva. Não apenas porque o Supremo foi mais punitivo do que era sua tradição. Esse caso quebra um pouco a tradição de impunidade da criminalidade acima de um determinado estrato econômico. Quanto à questão de existirem inúmeros inquéritos e ações penais contra políticos, acho que, dentro de outros fatores, o sistema político brasileiro induz à criminalidade. É um sistema em que as eleições são caríssimas, há uma necessidade imperativa de financiamento de campanhas e é nesse financiamento que o Brasil lícito encontra o Brasil ilícito. Acho que todo esse esforço trará pouco proveito se na prática nós não promovermos uma reforma política que diminua a causa do problema, que é o custo das eleições.

O sr. fala em aparelhamento da Justiça para a punição dos pobres...

Não é só a Justiça. O Direito Penal está precisando ser repensado, o sistema penitenciário brasileiro precisa de uma revolução, a polícia precisa ser revalorizada e requalificada. Portanto, o sistema punitivo brasileiro em geral não só é deficiente como é um sistema de classe. Ele é aparelhado para punir pobres.

Mas o problema está na lei ou na atuação do Estado?

As duas coisas. É muito fácil condenar alguém que porta uma pequena quantidade de maconha. Mas é quase impossível alguém ir preso por sonegação. O sistema legislativo é duro com as drogas e leniente com a sonegação.

Houve momentos de tensão entre o Judiciário e o Legislativo ao longo dos últimos anos. Como o sr. vê esse clima institucional?

Acho que as relações do Supremo com o Legislativo são boas. Mas existe uma fronteira entre os poderes que se estende e se retrai de acordo com as circunstâncias. Em algumas matérias em que o Legislativo não pode ou não quis atuar, o Judiciário se expande. Existe uma linha de fronteira em que não é totalmente nítido se você está interpretando a Constituição ou tomando uma decisão política. Por essa razão surgem tensões eventuais. Nada mais normal em uma democracia.

O sr. atuou como advogado em dois casos emblemáticos no STF: o casamento homoafetivo e a descriminalização do aborto de anencéfalos. São esses os casos fronteiriços do qual o sr. está falando?

Penso que esses dois casos envolviam interpretação da Constituição, pois envolviam direitos fundamentais. Onde há um direito fundamental em jogo e o Legislativo não tenha atuado, o Judiciário tem o dever de fazê-lo. Contraria a ideia contemporânea de igualdade você discriminar uma pessoa em razão da sua orientação sexual, assim como, ao meu ver, contraria a ideia de dignidade da pessoa humana obrigar uma mulher a manter a gestação de um feto inviável.

O sr. foi advogado de Cesare Battisti. Hoje, temos o caso do Henrique Pizzolato, condenado por corrupção no Brasil e, possivelmente, foragido na Itália. O sr. vê algum paralelo entre os dois casos?

Não há nenhum tipo de relação entre os dois casos. Sua frase está correta: são casos paralelos e não vão se encontrar nunca. O Cesare Battisti era um cidadão italiano refugiado no Brasil que tinha sido julgado na Itália há quase 30 anos em um processo em que não se observaram garantias mínimas e em um ambiente de perseguição política. Portanto, era um italiano refugiado no Brasil. O caso do Pizzolato, pelo que eu li na imprensa, é de uma pessoa que tem dupla nacionalidade e que está se beneficiando do fato de que a Itália, como a maior parte dos países do mundo, não concede extradição de seus nacionais.

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