A votação do parecer que pede a cassação do presidente afastado da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) está prevista para esta terça-feira (7) no Conselho de Ética. O processo contra Cunha já é o mais longo da história, devido a uma série de manobras adotadas pelo presidente afastado da Câmara. A previsão dos membros do Conselho é de que até o final do mês o assunto seja votado no Plenário da Casa.
Cunha é acusado de ter mentido aos colegas na CPI da Petrobras ao afirmar que não possui contas no exterior, informação que foi provada ser falsa através das investigações da Operação Lava Jato. A reportagem da Gazeta do Povo conversou com o deputado Julio Delgado (PSB-MG), membro do Conselho de Ética e relator de dois outros casos de cassação: do ex-ministro José Dirceu, em 2005, e do ex-deputado André Vargas, em 2014. Confira:
A votação do parecer que pede a cassação do deputado Eduardo Cunha está marcada para esta terça. O processo já é o mais longo da história. Em sua opinião, quais os fatores que contribuíram para a demora?
Já bateu todos os recordes. Se a gente for buscar todas as manobras e protelações que foram feitas por parte do representado, do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), você vai encontrar [os fators da demora]. Nós tivemos em um primeiro momento a discussão da admissibilidade com o relator Fausto Pinato (PP-SP). Quando o Fausto Pinato estava com o relatório foi solicitado a ele [Cunha] que fizesse a defesa prévia, fato que nunca houve em nenhum processo no Conselho de Ética. É a primeira vez que se dá direito a defesa prévia a um representado antes da votação da admissibilidade. Quando tomamos conhecimento que o Fausto era favorável à admissibilidade, pediu-se o afastamento do Fausto. Depois nós tivemos algumas alterações na composição do Conselho que já culminaram até agora em 14, entre idas e vindas. Em todas essas alterações era solicitada uma nova sessão para a publicação do nome do novo indicado que vinha da presidência [da Câmara]. Depois nós tivemos três ou quatro interpelações em que o presidente da Casa se dirigia ao vice-presidente [Waldir Maranhão, PP-MA] e nós tivemos três decisões que alteraram o procedimento do Conselho de Ética ou a utilização de testemunhas, ou a própria alteração do membro, a suspeição do presidente do Conselho sendo levantada, questões de ordem feitas de forma recorrentes por seus aliados, de toda ordem. E depois, quando teve a indicação do Marcos Rogério (DEM-RO), foi a mesma coisa: houve a defesa prévia e, depois, quando se conheceu que o voto era pela admissibilidade. Agora, se tenta a retirada, em uma tentativa final, do Marcos Rogério como relator do processo. O interesse nosso é concluir.
Há a possibilidade de uma manobra de última hora que possa adiar novamente a votação do parecer?
Tudo é possível. A gente escutou muita coisa no final de semana de mais mudanças no Conselho. Numa hora dessas acho que a gente deveria ter um impedimento de não aceitar mais mudanças na hora da votação. Instruído o processo, não deveria ter mais mudanças. Assim como não cabe mais representação de nenhum outro deputado. Uma mudança nesse momento final de votação é uma mudança que tem um único objetivo: de tentar diminuir a chance de a gente aprovar o nosso relatório.
Uma das manobras adotadas por Cunha foi a troca de membros do Conselho. O senhor acha que nesse novo cenário o parecer será aprovado?
Eu acredito que a gente tem alguma chance de aprovar [o parecer que pede a cassação de Cunha]. Eu não tenho dúvida de que a gente tinha, neste momento, que estar aprovando o parecer do Marcos Rogério, pela contundência e pela demonstração de provas que teve, por unanimidade. A gente sabe que não será. A gente não é inocente de imaginar diferente. Se você olhar os membros que estão lá hoje, com a realidade que está lá hoje, com o relatório que foi lido na última quinta-feira, a gente tem tudo para ter a votação e ter a aprovação do relatório do Marcos Rogério, mas volto a dizer que eu não posso cravar o resultado.
Como a opinião pública pesa na maneira como cada deputado vai se posicionar em relação ao parecer?
Eu acho que ela pesa se ela fizer pressão em cima dos membros. A gente sabe que o voto será aberto e o espírito de porco não pode passar em cima do espírito público nosso, que é representar o desejo daquelas pessoas que estão fora do Congresso, mas que nos colocaram lá dentro como seus representantes. É lógico que o desejo do eleitor quando elege um deputado não é ele ficar limpando deputado. Mas, depois que ele conhece as artimanhas e os artifícios de um deputado, eles dizem assim para a gente: “Se você não tirar, nós te tiramos”. Então essa pressão tem que ser feita dos eleitores para com os representantes e os deputados no Conselho de Ética. Neste momento, eu tenho recebido muita coisa, mesmo o pessoal sabendo que meu voto está mais ou menos definido, e eu imagino que os colegas membros do Conselho também estejam recebendo pressão.
Se aprovado o parecer no Conselho de Ética, o senhor acha que Cunha tem chance de escapar da cassação pela votação no plenário?
A gente não teve até hoje nenhum processo em que, na votação aberta do plenário, o resultado foi diferente do que foi pedido pelo parecer do Conselho de Ética.
Mesmo afastado do mandato e da presidência da Câmara, Cunha ainda tem uma certa influência no Congresso. Em caso de cassação, Cunha poderia ser considerado carta fora do baralho?
Se ele for cassado, o poder dele se reduz drasticamente. Ele vem sendo diluído ao longo do tempo. Tanto que ele tentou um movimento de voltar para a Câmara e ficou com medo da reação que isso teria no STF e acabou não voltando. O poder dele vem sendo diluído. Se ele for cassado, diminui muito. Não é um sentimento satisfatório que a gente tem de tirar o cara, ninguém foi eleito para isso. Mas se a gente não fizer isso é uma demonstração de que uma laranja podre vai contaminar o resto do cesto. O poder dele vem diluindo e eles [deputados] estão sentindo o aperto de defender o indefensável. Aqueles que estão dispostos nesse momento a defender o Eduardo estão defendendo o indefensável.
O Conselho de Ética da Câmara já tratou de casos importantes. O senhor foi o relator dos casos do ex-deputado André Vargas, que era vice-presidente da Câmara, e do ex-ministro José Dirceu. Ambos acabaram perdendo o mandato. O senhor diria que o processo de cassação de Cunha é mais importante?
É tão importante quanto. Não pode ser menos importante. Eu fui relator do processo do deputado André Vargas (ex-PT-PR). E André Vargas, em sua defesa no plenário, quando ele estava dizendo que não tinha envolvimento com o [doleiro Alberto] Youssef, falou que usou e pediu emprestada a aeronave dele. Esse foi o dia em que ele foi no plenário e mentiu. Essa foi a base, porque eu não tinha o conhecimento da Lava Jato como um todo, as delações não tinham acontecido, essa foi a base do nosso voto. A rigor, ele [Vargas] mentiu em defesa. O Eduardo Cunha omitiu e mentiu em depoimento à CPI. Você sabe como o Eduardo Cunha, o Waldir Maranhão e outros deputados votaram no caso André Vargas? Votaram a favor [da cassação]. Então é uma contradição o que eles pedem [punição mais branda para Cunha] e o que eles fizeram. Até porque se você colocar isso, você mentir em uma defesa e mentir em um depoimento, tem um peso muito grande para a Justiça. E tomara que tenha um peso muito grande para os colegas.
Nos dois casos, tanto de Dirceu quanto Vargas, ambos acabaram presos e já foram inclusive condenados. O senhor acha que isso pode ser um possível destino para Eduardo Cunha?
O que eu posso garantir é que eu fico com a consciência tranquila que eu fiz o que me competia como relator e como membro do Congresso [nos casos Dirceu e Vargas], que é fazer o julgamento ético e de decoro parlamentar da situação com o convívio com os colegas. E depois a Justiça chegou a conclusão em relação a eles com os outros fatos. Acho que a Justiça tem muito mais fatos com relação ao Eduardo do que tinha quanto aos outros. O Eduardo já tem sete processos tramitando no STF por ter foro privilegiado. Os outros tinham um, dois. Mas é a demonstração de que a gente não errou [ao aprovar a cassação]. O Eduardo vai pagar para a Justiça com a sua liberdade no momento do julgamento dos processos no âmbito do Supremo. Ele já vai pagar pecuniariamente porque o Banco Central imputou a ele a movimentação de contas no exterior e o pagamento de multas em relação a não declaração dessas contas no valor de R$ 250 mil por ano não declarado – e ele não declarou desde 2007. E nós não podemos ter outro caminho. Se ele já tem o julgamento penal, se ele já tem o julgamento tributário, ele não vai ter o julgamento de ética e decoro, que é o mais simples deles?
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