“Só tem futuro político quem compreender que estamos vivendo esta era em que nada durante muito tempo pode se passar às escondidas” Carlos Ayres Britto, em sua última sessão plenária do STF na quarta-feira passada| Foto: Gervásio Baptista

"Retornava eu de um almoço domingueiro, aqui em Brasília, na companhia da minha mulher e de um dos meus filhos, quando encontrei ao lado do nosso automóvel um homem que aparentava de 30 a 35 anos de idade. Apresentou-se como guardador de carros, mas eu já o conhecia, meio à distância, como morador de rua. Já o vi mais de uma vez, com uma rede estendida sob as árvores, a embalar o abandono dele. E assim me dirigiu a palavra: ‘ministro Ayres Britto, como o senhor vê, estou aqui tomando conta do seu veículo para que ninguém danifique o patrimônio da sua família’. Eu agradeci àquele homem que me conhecia até pelo nome e procurei nos bolsos algum trocado para recompensá-lo. Em vão. Nenhum dos três membros da família Britto portava dinheiro, nem graúdo nem miúdo. Disse então ao meu educado interlocutor: ‘como o senhor percebe, desta feita vou ficar lhe devendo’. Ele me fitou diretamente, profundamente, nos olhos e, altivo, respondeu: ‘ministro, o senhor não me deve nada. O senhor não me deve nada, ministro; basta cumprir a Constituição."

História contada pelo ministro Ayres Britto quando assumiu a presidência do STF em 19 de abril deste ano

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Biografia

Ayres Britto destaca decisão que derrubou Lei de Imprensa

Em entrevista ao Jornal das Dez da Globo News, Carlos Ayres Britto afirmou que a decisão mais importante da sua trajetória no Supremo foi a derrubada da Lei de Imprensa, em 2009. O ex-ministro foi relator do processo, que determinou a inconstitucionalidade da norma, editada em 1967, durante a ditatura militar.

"Pela liberdade de imprensa ocorre no país o que há de mais importante, mais essencial, quem quer que seja pode dizer o que quer que seja. Responde pelos excessos que cometer, mas não pode ser podado por antecipação. Ou seja, não é pelo medo do uso, pelo medo do abuso, não é pelo temor, pelo receio do abuso que se vai proibir um uso. A liberdade de expressão está na linha de largada da democracia, e a democracia, que é o princípio dos princípios da Constituição de 1988, é a menina dos olhos da Constituição", declarou Ayres Britto na Globo News.

Ayres Britto nasceu em 18 de novembro de 1942, no Sergipe. Foi nomeado ministro do STF em 2003, indicado pelo então presidente Lula. Assumiu a vice-presidência da casa em 2010 e em abril deste ano tomou posse como presidente.

Poeta, autor de cinco livros de poesia, místico, praticante de meditação, compositor de música que toca viola. Vascaíno, que na infância sonhava em ser jogador de futebol. Essas são algumas das credenciais de Carlos Augusto Ayres de Freitas Britto, ministro que presidia o Supremo Tribunal Federal (STF) e Conselho Nacional de Justiça (CNJ) até a semana passada. Como Ayres Britto completa hoje 70 anos, o ministro teve decretada a aposentadoria compulsória, como manda a Constituição Federal. Na próxima quinta-feira, dia 22, o ministro Joaquim Barbosa será empossado como o novo presidente do STF.

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Ayres Britto se destacou no exercício das funções das altas cortes de Justiça do país por adotar um tom conciliador, humanista e temperar seus discursos com toques de poesia. "A Constituição rima Erário com sacrário", disse, em seu discurso de posse como presidente do STF, depois de discorrer sobre como a função pública é sagrada.

"É o nosso lado emocional, feminino, artístico, amoroso, sensitivo, corajoso, por saber que quem não solta as amarras desse navio de nome coração corre o risco de ficar à deriva é no próprio cais do porto", declamou, na mesma ocasião, explicando como funcionava o lado direito do cérebro, mais emotivo e endossando o quanto o usava para as questões jurídicas.

Pouco antes da última sessão do STF presidida por Ayres Britto, na última quarta, o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante, afirmou que o ministro "deixa a todos um legado de como podemos ser humanos mesmo julgando".

Mensalão

Foi sob a presidência de Ayres Britto que a corte começou a julgar um dos processos mais complexos já apreciados pela STF– a Ação Penal 470, mais conhecida como o caso do mensalão. O julgamento, que começou em 2 de agosto, ainda está na fase de cálculo das penas dos condenados e Britto sai do STF sem finalizar o processo. Durante o julgamento, teve por diversas vezes que apaziguar crises internas entre os colegas ministros, que protagonizaram desentendimentos.

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Para Ayres Britto, o julgamento do mensalão foi estritamente técnico, ao contrário do que a direção nacional do PT afirmou em nota. "Acho que o Supremo julgou com toda tecnicalidade. O Supremo não inovou em nada. É que esse caso é inédito. O novo é o caso. É incomparável, não há nenhum igual. Nunca se viu um caso com 40 réus no ponto de partida das coisas, com imputação de tantos crimes, imbrincamento disso, 600 testemunhas. O caso é que é inédito", declarou à imprensa na semana passada.

Além do mensalão, a gestão de Ayres Britto à frente do STF foi marcada pelo julgamento de outros temas de grande relevância, como a constitucionalidade das cotas raciais e a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

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