Governo e oposição trocaram acusações de “golpismo” nesta terça-feira (7) em meio ao agravamento da crise política. O dia lembrou os momentos mais acirrados da campanha eleitoral do ano passado, na qual a presidente Dilma Rousseff venceu Aécio Neves (PSDB). De um lado, Dilma escancarou o tema em entrevista à Folha de S.Paulo, classificando alguns dos adversários de “golpistas” e atacando duramente a possibilidade de deixar o governo por condenação do Tribunal de Contas da União (TCU) ou do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): “Eu não vou cair. Eu não vou, eu não vou”, repetiu.
Do outro lado, o PSDB reagiu no mesmo tom. Em nota, Aécio, presidente do partido, afirmou que o discurso de Dilma é uma saída para fugir de investigações e contra-atacou: “Tudo que contraria o PT e os interesses do PT é golpe!”
A reportagem ouviu especialistas sobre a polêmica.
Confira abaixo as opiniões:
Eurico Figueiredo, diretor do Instituto de Estudos Estratégicos da UFF
“Numa democracia, é legítimo a oposição se mostrar como tal, e a presidente se defender. Nas democracias consolidadas, respeita-se a rotatividade pacífica do poder. Mas, nelas, coloca-se tudo em jogo, menos a própria estabilidade, que é o que nossas lideranças estão fazendo. Uma alternativa à democracia é a anarquia, num primeiro e curto momento, e depois sabemos que vem a ditadura. Quando falo de lideranças, incluo aí oposição, aliados, Dilma, Lula, FH, os presidentes de Câmara, Senado, TCU. Dilma tem visão de Estado ao afirmar que põe todos os meios a favor da apuração da corrupção, o que é verdade, e ela ter mantido o ministro Cardozo mostra isso. Mas Dilma tem mesmo uma visão de governo e ajudou a criar instabilidade ao desfavorecer o PMDB no Ministério; tirou seu pilar no Congresso. Ela também ajuda a criar instabilidade com comparações estapafúrdias como a de interrogatórios na ditadura e na democracia. E Dilma precisa ver que o cara na rua nem quer saber o que é ‘pedalada fiscal’; quer saber do preço da gasolina. . Ela está atrasada, deveria ter reagido antes, na política e também na economia. Mas ainda dá tempo”.
Ricardo Ismael, cientista Político da PUC-RJ
“Dilma já estava sendo pressionada por Lula e pelo PT. A reação dela agora não nasceu domingo, com as críticas na convenção do PSDB. Foi um acúmulo da pressão interna com essas críticas, e com dois fatos que a tiraram da zona de conforto: o prazo dado pelo TCU para sua defesa [contra a acusação de que realizou manobras contábeis chamadas de ‘pedaladas fiscais’]; e a delação de Ricardo Pessoa [empreiteiro da UTC investigado na Lava-Jato, que falou de doações para sua campanha que seriam propina]. Acumulou-se a isso a queda de popularidade. Ao falar, Dilma põe mais pimenta na panela, porque acaba chamando a atenção até de quem não acompanhava o debate. Mas, se fica calada, dá a sensação de que não reage. Desqualificar a delação de Pessoa, por exemplo, é estratégia contra a análise de suas contas de campanha pelo TSE. E, no caso da análise do TCU, que vai para o Congresso depois, Dilma se reúne com aliados, o governo diz que pedalada todo mundo faz. Ela viu que a postura de ficar olimpicamente calada, andando de bicicleta, não estava dando certo. Foi um discurso defensivo, mas Dilma tinha que correr o risco de falar. Para quem votou nela, é importante”.
Paulo Baía, cientista político da UFRJ
“Dilma estava muito acuada. Mas, nos últimos dias, a crise começou a ganhar outro contorno, com Eduardo Cunha falando sobre parlamentarismo e criticando Temer; especulação sobre o PMDB se aproximando de José Serra; PSDB falando em assumir o governo. Há um clima de desânimo que abre espaço para a oposição. A sensação que se tem é de um governo velho, num início de mandato. Então, Dilma precisava reagir, precisava desse rompimento de isolamento para sua imagem pública. Sem dúvida [o marqueteiro] João Santana deve ter participação nessa orientação. Um dos vetores dessas declarações dela foi dizer que tem como se defender de tudo. Outro vetor foi estabelecer pontes com o PMDB ao dizer: ‘O PMDB é ótimo’. Dilma tem de assumir mesmo a crise para ela, para dizer que a bola tem dono. Precisa mostrar que assumiu a liderança, porque no presidencialismo o presidente tem de ser forte. Só não sei se essa reação terá efeitos tão imediatos. Para isso ocorrer, é preciso haver medidas econômicas e de política social. Dilma precisa de medidas que não sejam a negociação de cargos com aliados. Essa reação só vai valer o esforço se tiver uma continuidade na economia”.
Carlos Melo, cientista Político e professor do Insper
“Dilma deu a entrevista no pior momento porque fica parecendo uma resposta à convenção tucana, que aconteceu no domingo. Não acertou nem no momento, nem no conteúdo. Ela repete a crítica à figura do delator, que já não tinha pegado bem antes, abusa em chamar os entrevistadores de ‘queridos’ muitas vezes, um tique nervoso que ela já tem há tempos, e ainda se diferencia do Lula ao dizer que discorda dele sobre ‘estar no volume morto’. Aliás, pela primeira vez, ela não chama Lula de ‘presidente Lula’, como sempre fez. Você lê nas entrelinhas que ela está nervosa, distante de Lula e do PT, impaciente e reativa. Os leitores veem uma presidente perdida e isso é uma mensagem ruim para o mercado. Estrategicamente teria sido melhor ficar calada. Se a entrevista já estivesse marcada, ela deveria ter desmarcado. Ao falar, ela não saiu da agenda negativa e entrou no jogo da oposição, depois de passar semanas tentando produzir uma agenda positiva. A entrevista é um erro primário de comunicação, mostra afobação, algo típico de quem está sofrendo do fígado. Ela diz que não vai cair, mas não diz em que vai se segurar.”
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