Estação penúria
Reportagem percorre linhas de ônibus em diferentes regiões de Curitiba. Os pobres são reféns dos pula-catracas. A classe média reclama da qualidade do serviço
"Olhe, para pegar a classe média vai ter de ser um ônibus muito do bom", brinca o advogado Marcelo Araújo, especialista em trânsito, ao ser perguntado, à queima-roupa, sobre como convencer a parcela economicamente mais estável a usar o transporte coletivo em Curitiba. A boca-pequena diz-se que só por milagre ou decreto. O tema desperta paixões. Em meados do ano passado, a capital bateu a casa de um milhão de veículos. De lá para cá, os congestionamentos constantes viraram o atletiba nosso de cada dia. Ou se acha uma solução para a "sãopaulização" da cidade ou arrisca, hora dessas, haver uma invasão desesperada das canaletas, outrora símbolo do município mais civilizado da América Latina. ´Seria um desfecho melancólico para a cidade que exportou pelos quatro costados suas inventivas políticas de transporte coletivo bom, barato e bonito. Bons tempos. Para manter-se no posto, Curitiba vai ter de desfazer o nó do novelo. Um dos primeiros passos concordam estudiosos ouvidos pela reportagem da Gazeta do Povo é fazer com que a classe média novamente cruze a roleta, devolvendo ao ônibus a dignidade perdida e, com sorte, algum glamour. Hoje, os mais abonados estão incluídos nos 22% da população que prefere o carro e abomina o coletivo. Se parte deles se somassem ao proletariado, como em tempos idos, o número de usuários saltaria dos 45% atuais para os 60% necessários à saúde financeira do sistema.
Resta saber o que levaria os 350 mil curitibanos que circulam diariamente pelas ruas a maioria absoluta sem sequer dividir o banco do passageiro com alguém, merecendo nota zero no quesito carona solidária a uma mudança de hábitos. Há respostas óbvias, como a melhora da qualidade. O sistema é lento, desconfortável, malcheiroso e muito caro para quem faz viagens curtas. Nas atuais condições, alguém deixaria o carro particular na garagem só se estivesse incorporado pela ideologia ambiental do Greenpeace.
Mas tudo indica que a equação não se resolva apenas com limpeza, rapidez e bom preço. Tem de ser colocado nessa conta a complexidade de uma cidade que atinge 1,7 milhão de habitantes 3 milhões somando as vizinhas. Não é difícil imaginar a rotina no trânsito de um profissional liberal que circula por três-quatro endereços por dia em lugares muito distantes. Nem a vida de uma mãe que trabalhe fora e tenha filhos em idade escolar. Sem falar no poder da publicidade gerada pela indústria automobilística "você fez por merecer", diz um dos slogans da hora. Pegar ônibus virou coisa de quem não venceu na vida.
O arquiteto e urbanista Fábio Duarte, coordenador do mestrado em Gestão Urbana da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), aponta que um dos enroscos é justamente a falta de um estudo que mostre em detalhes origem e destino dos passageiros, o que poderia ser muito esclarecedor na consolidação de novas rotas dentro da cidade. O liberal e a mãe-que-trabalha podem ter a chave do segredo. "Os estudos da Urbs dizem que a maior parte dos passageiros é de Curitiba. É um cálculo errado, pois não leva em conta a multidão que sai da região metropolitana e pega dois-três ônibus na capital. Saber mais sobre os percursos poderia mudar tudo", explica.
A observação de Duarte faz sentido. É bem provável que as linhas em operação não satisfaçam uma boa parcela dos usuários, em especial os que circulam dentro de seus próprios bairros ou nas regionais. Para esses, é mais barato o carro, o que os desacostuma por tabela do uso do ônibus para outras viagens também. "Há exemplos de cidades que conseguiram baixar 30% das tarifas em percursos curtos, dentro dos bairros", comenta o filósofo Jorge Brand, um dos líderes do Bicicletada, movimento social que mais pressionou a prefeitura, nos dois últimos anos, a rever sua política de mobilidade.
Em 22 de setembro próximo, Dia Mundial sem Carro, a turma da Bicicletada vai reunir na Reitoria da Universidade Federal do Paraná (UFPR) os candidatos à prefeitura para arrancar deles um compromisso por escrito de que dias melhores virão para quem anda a pé ou sob duas rodas. A questão corre em paralelo ao caos do trânsito, tem mobilizado parte da opinião pública, num dos raros momentos em que os curitibanos espreguiçam a pasmaceira política. No mais, trânsito virou um discurso intransigente das classes médias, que querem agilidade, espaço, nem que para isso seja preciso derrubar praças e bosques.
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