Entrevista com Airton Mozart Valadares Pires, presidente da AMB.
O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, Aírton Mozart Valadares Pires, considera a Súmula Vinculante n.º 13 do Supremo Tribunal Federal (STF) um avanço para a administração pública do país. Mas entende que o STF foi tímido ao abrir exceções para a contratação de parentes em cargos políticos. "Com todo o respeito que tenho pelo STF, também deveria ter sido proibida a contratação de parentes para cargos de ministros, secretários estaduais e secretários municipais."
Apesar de o Supremo ter deixado aberta uma exceção, que vem sendo usada por uma série de políticos eleitos para acomodar parentes em seus governos, Mozart Valadares lembra que o nepotismo não vai acabar rapidamente por meio de regras. Para ele, é preciso reduzir o número de cargos de confiança no país, porque o elevado número de comissionados dificulta o controle. Mas, diz Mozart Valadares, o fim do nepotismo só ocorrerá com mudanças culturais. "A democracia é um processo em construção. Vinte anos de democracia não é um longo tempo para realizar mudanças. A gente está construindo isso no dia a dia."
Juiz estadual de Pernambuco, em seus 18 anos de magistratura ele vem lutando pelo fim do nepotismo, denunciando a prática em seu estado. Atualmente na direção da AMB, Mozart Valadares lembra que foi a entidade que provocou o fim do nepotismo, em 17 de fevereiro 2006, ao propor uma ação declaratória de constitucionalidade em favor da resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que proibiu o nepotismo no Poder Judiciário. Ao declarar que a norma era constitucional, o STF acabou estendendo a proibição para toda a administração pública brasileira.
A AMB foi uma das principais entidades a encampar a luta contra o nepotismo no país. O senhor poderia fazer um retrospecto da atuação da associação?
Quando o CNJ editou a resolução no âmbito do Judiciário (em outubro de 2005), quase a totalidade dos presidentes de tribunais diziam que a medida era inconstitucional. O então presidente da AMB, Rodrigo Colaço, pensou "ora essa resolução corre o risco de se tornar letra morta, dizendo que é inconstitucional o que o Conselho Nacional de Justiça está legislando porque não caberia a ele regular essa matéria". Colaço foi ao STF e entrou com a ação declaratória de constitucionalidade, pedindo que o Supremo dissesse que a resolução era constitucional. No julgamento do mérito (da ação), o STF, por nove votos a um, estendeu a proibição para toda a administração pública, com base nos princípios da administração pública que estão elencados no Artigo 37 da Constituição Federal. Ora, se a Constituição diz quais são os princípios da administração, eles não servem só para o Judiciário. É para toda a administração pública.
A súmula editada há um ano abriu exceções para a contratação de parentes em cargos políticos. Qual a sua opinião a esse respeito?
Ficou entendido pelo STF que para cargos políticos era possível, porque a situação dos políticos eleitos era passageira.
Por causa dessa "brecha", alguns prefeitos paranaenses acabaram contratando parentes no primeiro escalão, em cargos políticos. Que balanço o senhor faz de um ano da Súmula Vinculante n.º 13?
O balanço é extremamente positivo. Além da decisão do Judiciário, isso começou a mudar a cultura da administração pública. O controle social, a população está mais exigente, o que é muito positivo para o país. Diminuímos bastante a prática do nepotismo com a resolução do CNJ e a súmula do STF.
O que o senhor acha que precisa ser feito para acabar em definitivo com o nepotismo?
Para acabar definitivamente temos de fazer uma ação para diminuir o número de cargos comissionados. Há um excesso de cargos comissionados nos três poderes. Esse exagero é assustador. Só na administração federal temos mais de 20 mil cargos. Isso propicia o nepotismo cruzado. Com um elevado número de comissionados fica difícil a fiscalização. Você contrata um cunhado, por exemplo, que não leva o seu sobrenome, o que dificulta detectar o nepotismo. Mas é preciso destacar que a democracia é um processo em construção. Não é de uma hora para outra que você consegue mudar tudo. Vinte anos de democracia não é um longo tempo para realizar mudanças. A gente está construindo isso no dia a dia.
Há algumas situações que têm deixado o Ministério Público do Paraná em dúvida quanto a caracterização do nepotismo. No caso de vice-prefeitos, por exemplo. Eles não têm poder de nomeação. Nesse caso, é possível a contratação de parentes de vice-prefeitos?
Não há nenhuma dúvida de que é nepotismo. Não precisa ser a pessoa que assinou o ato de nomeação. Os parentes de até terceiro grau de vice-prefeitos não podem exercer cargo comissionado, a não ser que sejam efetivos. Aí não poderiam ser discriminados por parentesco, porque se submeteram a um concurso público e estão na administração por mérito. Podem exercer cargos comissionados desde que não sejam subordinados a um parente. Um filho de desembargador do Paraná (concursado), por exemplo, pode atuar em cargo comissionado no gabinete de outro desembargador, mas não no gabinete do pai.
E no caso de secretários de estados que possuem filhos não concursados, empregados em cargos comissionados em outras secretarias?
Não pode. Mas se o filho exercia cargo comissionado antes de o pai vir a ser secretário, no meu entendimento, aí poderia. Outro exemplo é o de juiz que conhece uma assessora de desembargadora e casa com ela. Nesse caso, ela não poderia ser demitida porque ele a conheceu depois que entrou na magistratura.
As primeiras-damas acabam assumindo secretarias de Ação Social. Só que em Curitiba não existe secretaria, mas fundação, que é dirigida pela mulher do prefeito Beto Richa (PSDB). Como o senhor avalia essa situação?
A fundação tem controle do Ministério Público. Pode receber patrocínios. Eu confesso que essa seria uma questão interessante de ser avaliada pelo Judiciário, para tirar as dúvidas. Da mesma forma, empresas públicas. O Ministério Público poderia provocar essas discussões para que o Judiciário desse sua palavra final se caracterizava, ou não, nepotismo.
O que o senhor acha da justificativa padrão para contratação de esposas nas administrações, de que é uma tradição as primeiras-damas serem secretárias de Ação Social?
O trabalho dessas secretarias são em geral dirigidas a pessoas carentes. E com a primeira-dama exercendo esse cargo, ela transfere, pelo fato de ser esposa do prefeito o prestígio dele, tirando proveito político com isso. Eu até acho, e com todo o respeito que tenho pelo STF, que não é pequeno, que também deveria ter sido proibida a contratação de parentes para cargos de ministros, secretários estaduais e secretários municipais.
O senhor acha que deveria haver exceções como as abertas pela súmula?
Acho que deveria ter sido proibido. Acho que o Supremo Tribunal Federal foi acanhado nesse ponto.