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A presidente Dilma Rousseff (PT) negou que faça política no estilo "toma lá dá cá". Ela fez a afirmação em entrevista concedida ao programa Fantástico, da Rede Globo, há duas semanas. O fato é que, antes e depois disso, o Brasil viu vários exemplos de que o Planalto se articula ao redor de uma grande mesa de negociações, na qual a troca de favores políticos e econômicos impera – às vezes de forma cordial, às vezes na base da pressão.

A situação atual não é propriamente uma novidade, e faz parte do jogo democrático. Segundo especialistas consultados pela Gazeta do Povo, as várias pressões que a presidente sofre dão origem ao diálogo, ao embate e ao consenso, e isso é fundamental na democracia. Mas há algumas peculiaridades da política brasileira que criam turbulências na administração de Dilma – como já criaram nos mandatos dos antecessores.

"É todo um caldo de cultura de uma democracia que ainda não amadureceu. Nossa Constituição atual tem pouco mais de 20 anos, mas já sofreu 74 emendas. Antes disso, tivemos outras cinco", diz o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB). O sociólogo Rudá Ricci, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), avalia que o texto constitucional tinha uma tendência ao parlamentarismo, e por isso a Pre­­­sidência da República acabou ficando suscetível a um forte controle do Parlamento. Por outro lado, as reações de Dilma às pressões e às denúncias de corrupção têm sido enfáticas e rápidas, observa o economista e cientista político Ricardo Caldas, da UnB. "Ela tem agido com rapidez na medida em que aparecem denúncias. Mas são naturais as pressões sobre ela e é natural que a presidente reaja."

Veja algumas situações recentes que criaram pressões sobre a presidente e como ela reagiu.

O poderoso Sarney

"Ele é um feudo dentro do governo Dilma", resume o economista Ricardo Caldas, da UnB. O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), tem gozado de um status sem igual no Planalto.

Um de seus "afilhados" políticos, Pedro Novais, até que se manteve por bastante tempo no Ministério do Turismo. Antes de tomar posse, surgiram denúncias de que usou verba da Câmara Federal para pagar um motel, quando era deputado. Novais também se manteve no cargo mesmo com a Operação Voucher, deflagrada pela Polícia Federal em agosto, que apontou desvios de R$ 4 milhões no Turismo. Caiu apenas em 14 de setembro, com a notícia de que usou verba pública para outros gastos pessoais.

A surpresa foi a nomeação de outro afilhado de Sarney para o cargo, o deputado federal Gastão Vieira. "Há uma máxima que diz que você nunca pode nomear uma pessoa tão forte que depois não seja possível demiti-la. Depois que a Dilma aceitou nomear uma indicação do Sarney vai ser difícil tirá-lo de lá", afirma Rudá Ricci, da UFMG.

Mas de onde vem a força de Sarney? "Ele bancou o Lula durante o mensalão", acrescenta Ricci. Para Octaciano Nogueira, da UnB, Sarney "foi de tudo" na vida política, e agora colhe os favores que fez. "Em 1954 ele já exercia o cargo de deputado federal. Foi governador, vice-presidente, presidente e senador. Depois de todo esse tempo, acumulou muitos aliados, aos quais prestou muitos favores, que ainda estão sendo devolvidos." Ou seja: Sarney, que já ofereceu muito o "toma lá", agora vive só de "dá cá".

Para Ricardo Caldas, Sarney mantém o status porque as investigações a respeito de corrupção só flagraram aliados ou parentes, nunca ele próprio.

Rebelião na base

Na teoria, Dilma Rousseff poderia se orgulhar da sua base aliada, a maior da história recente. São cerca de 400 deputados, de um total de 513, e 50 de 81 senadores. Mas, na prática, esse contingente tem dado bastante trabalho. Para o cientista político Octaciano Nogueira, da UnB, grande parte do problema está na profusão de partidos. Os que têm representação na Câmara dos Deputados são 22. "Não existe em nenhum país democrático uma Casa de deputados com tantos partidos. A negociação se dá em cima da troca de privilégios. Não é nada extraordinário, mas pode ser fatal para uma democracia", afirma Nogueira.

O sociólogo Rudá Ricci pondera que muitas características do quadro atual foram construídas recentemente pelo ex-presidente Lula. "Depois do mensalão, ele montou uma coalizão política que funciona até hoje. Nesse sistema, você precisa ser muito popular ou muito habilidoso. Como a Dilma não é nem uma coisa nem outra, acaba ficando refém das bancadas. Ela dorme com o inimigo", diz Ricci.

Entre junho e agosto, a base aliada ensaiou algumas rebeliões para protestar contra a demora da União em liberar o dinheiro reservado a emendas parlamentares. Além disso, havia protestos contra a "faxina" em ministérios envolvidos em suspeitas de irregularidades. Há dois meses, o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS), comentou que o clima estava "gelado" no Congresso. Para acalmar os ânimos, o governo anunciou que ia liberar R$ 1,4 bilhão a partir deste mês para os deputados e senadores.

A sombra de Lula

O ex-presidente Lula já assumiu um novo cargo: o de "ministro" de assuntos eleitorais. Ele será a peça-chave na articulação do PT e de Dilma para as eleições municipais de 2012. Seu protagonismo é tido como um sinal claro de que ele pretende voltar ao poder, concorrendo à Presidência em 2014.

"O resultado das eleições do ano que vem vão definir se Dilma tem alguma chance de se candidatar à reeleição. Eu aposto as fichas na volta do Lula", diz Rudá Ricci.

Para Ricardo Caldas, a "sombra" de Lula tem se tornado cada vez mais visível. "Em Brasília comenta-se que a campanha dele já está estruturada e que ele já contratou pessoas para isso." Apesar dessa movimentação de Lula deixar Dilma em uma posição mais frágil no PT, ela pode sair ganhando, avalia Caldas. "Ela fica com mais autonomia para governar, sem ter que se preocupar com um segundo mandato."

Além de Lula assombrar o futuro de Dilma, ele é apontado como corresponsável pelas crises que acometeram vários ministérios nos últimos meses. Os cinco ministros que caíram foram "reciclados" da gestão do ex-presidente: Pedro Novais, Wagner Rossi, Alfredo Nascimento, Antonio Palocci e Nelson Jobim – este último foi o único que deixou o cargo por divergências com o Planalto; todos os outros foram alvo de denúncias de irregularidades. "Ela tem sido dura na substituição dos ministros. O problema é que ela os herdou do antecessor, e eles não se sentiam ligados a Dilma, mas a Lula", afirma Ricci.

Mão forte na economia

A decisão do governo federal de aumentar o imposto dos carros importados foi acompanhada de perto pelos executivos das quatro grandes montadoras instaladas no Brasil (General Motors, Fiat, Ford e Volkswagen). Octaciano Nogueira pondera que as grandes empresas, especialmente as montadoras, gozam de privilégios – uma espécie de "toma lá" – em vários países.

Além de atender aos interesses das empresas instaladas no país, a decisão de aumentar em 30 pontos porcentuais o imposto dos veículos importados agradou aos metalúrgicos e sindicalistas. "A medida protege os empregos, gera postos de trabalho e estimula a produção nacional", disse o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Sérgio Nobre, após a decisão, em 15 de setembro.

Em julho, uma manifestação de trabalhadores contra a "invasão" de importados reuniu cerca de 30 mil pessoas em São Paulo. "Parece que sempre há espaço para uma bandeira da esquerda nacionalista", observa Nogueira. O dividendo político interno é o "dá cá" da medida.

A decisão também mostra outro ator político pressionando o governo Dilma: o ministro da Fazenda, Guido Mantega. "Essa política específica, de protecionismo, é uma visão dele. Ele sempre foi progressista, desenvolvimentista. Não teve tanto peso no governo Lula, mas parece que agora vem revertendo isso", afirma Ricci.

Apesar disso, o governo deve enfrentar resistências tanto internas – o DEM ameaça recorrer à Justiça contra a alta do imposto – quanto externas (há o risco de a medida ser contestada na Organização Mundial do Comércio).

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