Causos
Episódios curiosos dos bastidores do Piantella:
Conta rachada
Ulysses Guimarães não tolerava que alguém pagasse sozinho a conta dos jantares para tratar de política. Tudo era dividido igualmente entre os participantes. A exceção eram os encontros festivos, como aniversários.
Cheque de recordação
Em 1985, Ulysses assumiu temporariamente a Presidência da República e foi jantar no Piantella. Costa não descontou o cheque assinado para pagar a conta. Hoje o papel é uma das relíquias expostas na parede da sala reservada do restaurante.
Drink da moda
Os costumes dos presidentes à mesa sempre influenciaram os parlamentares. Na época de Collor, o uísque tinha de ser o escocês Logan 12 anos.
Coisa de louco
Ulysses era fã da aguardente de pera francês Poire William. Certa vez, provou o Calvados, feito à base de maçã, que era o preferido de Collor. Depois do primeiro gole, sentenciou: "É bebida de louco".
Mania
José Sarney só entra e sai de um ambiente pela mesma porta.
Maurício Fruet
Um dos frequentadores mais assíduos do Piantella durante a Constituinte foi o ex-deputado e ex-prefeito de Curitiba Maurício Fruet. "O Ulysses adorava o Maurício. Sem contar que o carneiro que ele fazia era espetacular", diz o dono do restaurante, Marco Aurélio Costa.
Paranaenses
Outros paranaenses também foram ou são clientes. Costa cita o ex-governador Ney Braga, o senador Roberto Requião e o casal de ministros Paulo Bernardo e Gleisi Hoffmann.
Quem visita o site do Restaurante Piantella dá de cara com a mensagem: "Aqui, governo e oposição sentam à mesma mesa". Em cima do texto, uma imagem de duas taças de champanhe, ladeadas por um prato virado para cima e outro para baixo, como se fosse o Congresso Nacional. Nada mais. Nem precisava. Desde 1977, o Piantella é um dos principais pontos de encontro dos políticos de Brasília. Suas mesas abrigaram conversas, brigas e conchavos fundamentais para a composição da atual democracia brasileira.
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"Tudo começou com o pessoal do MDB", diz o dono do restaurante, Marco Aurélio Costa, 63 anos. Mineiro de Teófilo Otoni, ele abre a conversa sentado na cabeceira da "Mesa do Velho", à frente de um quadro de Ulysses Guimarães. Era lá que se reunia o Clube do Poire (nome de uma aguardente de pera usada como digestivo), formado pelos parlamentares de oposição ao regime militar.
Do outro lado, os deputados da Arena também tinham seu quartel-general, o restaurante GAF, que tomou o mesmo rumo da ditadura e desapareceu. Já o Piantella foi se moldando às mudanças históricas. Mas até hoje tem o Dr. Ulysses como bandeira.
A sala utilizada pelo ex-presidente da Câmara, que morreu em um acidente aéreo em 1992, fica em um ambiente reservado na parte de cima do restaurante, onde cabem de 20 a 25 pessoas. Recortes de jornal, fotos e algumas relíquias, como um cheque assinado por Ulysses para pagar uma conta quando assumiu provisoriamente a Presidência em 1985, compõem uma espécie de minimuseu em homenagem ao "Velho".
Costa cita de cabeça como funcionava a dinâmica das reuniões à época. "Ulysses primeiro deixava todo mundo falar, bem à vontade. Depois é que ele chegava aonde queria." Ser aceito membro do clube muitas vezes era mais importante do que ter um cargo no governo.
O empresário lista alguns dos principais temas que já foram tratados no Piantella: a Lei da Anistia (1979), a volta da eleição para governadores (1982), a campanha pelas Diretas Já (1983-1984), a Constituinte (1987-1988) e o impeachment de Fernando Collor (1992). "Aquele pessoal tinha uma perspectiva de conquista de objetivos, coisa que o Congresso atual não tem", compara.
Foi no restaurante, segundo ele, que as principais lideranças da Câmara realizaram o último encontro antes da votação do impeachment. Durante o jantar, Ulysses fez questão de se sentar ao lado do líder do governo, Luis Eduardo Magalhães (PFL-BA). Era um sinal de que nada estava sendo feito pelas costas. "Você sabe que todas as grandes votações são decididas com antecedência, que ninguém chega lá no plenário sem saber o que vai acontecer, não é?", explica Costa.
Luís Eduardo, que morreu em 1998, aos 43 anos, também foi um dos grandes frequentadores da casa. Ao lado de sua mesa favorita, no espaço comum, há uma placa em homenagem a ele, dizendo que naquele local Luís Eduardo "pensava o Brasil".
Ainda sobre o ex-deputado e seu pai, o ex-senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), morto em 2007, Costa conta uma história que sintetiza o que o Piantella representa no ideário político de Brasília. No fim dos anos 1990, ACM e o atual vice-presidente Michel Temer (PMDB) costuravam um acordo para que os dois assumissem as presidências do Senado e da Câmara, respectivamente. Certa vez, Temer ligou para Luís Eduardo para marcar um encontro. "Quando eles se falaram, descobriram que ambos estavam aqui no Piantella, em ambientes diferentes", diz Costa. Ao final do jantar, o trato estava selado. ACM e Temer comandaram as duas Casas do Congresso de 1997 a 2001.
Encontros públicos"Os políticos de hoje têm mais medo"
O Piantella ainda é um dos pontos de encontro de políticos mais badalados de Brasília, mas o perfil das reuniões mudou. "Os políticos de hoje têm mais medo", diz o dono do restaurante, Marco Aurélio Costa. O receio, segundo ele, é de ser flagrado em alguma atitude que pode ser considerada inconveniente segurando um copo de uísque, por exemplo. Outra barreira é a proibição ao fumo em lugares fechados.
A mudança, para Costa, também se deve ao perfil dos atuais parlamentares. "Nós estamos passando por um momento de afirmação de novas lideranças, marcado pela falta de independência do Congresso." O empresário lamenta o panorama e cita aspectos "pedagógicos" das conversas em bares e restaurantes. "A mesa do restaurante não é a casa de um ou de outro, é um lugar neutro. Além disso, a conversa sempre flui de um jeito diferente depois de uma bebida. As pessoas se desarmam, falam mais o que realmente estão sentindo."
Um dos últimos episódios famosos de confraternização no Piantella ocorreu durante o julgamento do mensalão, em agosto do ano passado. Recém-cassado devido a acusações de envolvimento com o bicheiro Carlinhos Cachoeira, o ex-senador Demóstenes Torres cantou para um grupo de advogados que trabalhava para réus do processo. "Ele só estava se divertindo, nada demais", diz Costa.
Advogado de Demóstenes durante o processo de cassação, Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, tornou-se recentemente sócio de Costa no restaurante. No mensalão, Kakay fez a defesa do publicitário Duda Mendonça, que foi absolvido.