Em A Nova Visibilidade, John B. Thompson, pesquisador do departamento de Sociologia da Universidade de Cambridge, faz uma análise interessante da evolução da representação do político desde o século XV, quando surgiram as novas tecnologias de comunicação.
Ele apresenta o conceito de “visibilidade mediada” das figuras públicas, mostrando como os panfletos reproduzidos aos milhares, as gazetas, os cartazes, as fotografias, o cinema, o rádio e a tevê tiraram o mandatário do palácio e o colocaram ao lado das pessoas, nas praças e junto ao fogo doméstico, na cozinha ou sala de estar.
Presença máxima: com a internet e os smartphones, a figura do rei chegou também aos bolsos e às extremidades dos dedos.
Thompson também aponta um paradoxo. Se, por um lado, essa presença representou uma vantagem estratégica – o político poderia “estar lá” em sua melhor forma (arrumadinho, paternal, generoso, protetor, filial...) –, por outro gerou uma enorme dor de cabeça, na medida em que as mesmas tecnologias podiam roubar sua aura, expor o que ele tinha de pior e até forjar fatos a seu respeito. O papel dos panfletos denunciando as imoralidades de Luís XVI e Maria Antonieta, por exemplo, foi central no “aquecimento psicossocial” que terminou com a Revolução Francesa.
Desde o advento da imprensa, os líderes políticos descobriram ser impossível controlar inteiramente o novo tipo de visibilidade possibilitada pela mídia e deixá-la completamente a seu contento; agora, com o nascimento da internet e de outras tecnologias digitais, isso ficou mais difícil do que nunca.
Em tempo de câmeras digitais, redes sociais, grampos e interceptação de conversas, a mediação da visibilidade simplesmente se esfacela, fragmentando-se em milhões de pedaços – tantos quantos forem os usuários das tecnologias (pessoas e organizações midiáticas e paramidiáticas) dispostos a criticar ou enaltecer os agentes públicos.
Nudez e controle
Para piorar a situação, muitos políticos ignoram solenemente as barreiras entre o público e o privado, mantendo a “originalidade” em qualquer ambiente. Um exemplo recente é o das fotos feitas e compartilhadas por Milena Santos (autointitulada “primeira-dama do Ministério do Turismo no Brasil” no Facebook) no gabinete do marido em Brasília.
“Hoje, é muito mais difícil à elite política esconder atributos, pensamentos e mesmo ações. Há sempre a chance de alguém estar gravando suas gafes com um celular e uma ação errada em redes sociais pode proliferar rapidamente”, observa Rafael Cardoso Sampaio, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor do programa de pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Ex-miss bumbum apaga fotos polêmicas em gabinete e reclama de ‘falta de ética’
Leia a matéria completa“Esses fatores facilitaram a um conjunto de atores – geralmente, líderes de opinião ou entidades da sociedade civil – aumentar seu controle cognitivo sobre tais elites.” Pela perspectiva thompsoniana, isso poderia significar que a “nudez do rei”, mais do que um movimento que nasce da soma entre tecnologia e desejo das massas, também seria o produto de uma agenda dada pela imprensa tradicional, com seus próprios interesses políticos.
A “presença oculta” de agentes midiáticos tradicionais nos discursos que emergem da torrente comunicacional das redes sociais também é destacada por Eduardo Garuti Noronha, doutor em Ciência Política pela USP e professor do departamento de Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em São Paulo.
Para ele, estão em jogo duas grandes agendas, uma dada pelo governo, de esquerda, e a outra dada pelos veículos tradicionais de comunicação, que se uniram ao redor de um discurso direitista antigoverno que alimenta fortemente as mídias sociais.
Eu não quero reduzir a política brasileira atual a uma questão de embate entre esquerda e direita ou a um embate de classes nos moldes tradicionais. Não tenho dúvidas, porém, de que vemos hoje, no país, uma divisão de viés classista. É, de fato, um momento muito particular.
Moral e ideologia
Na perspectiva de John Thompson, a tal “nudez”, isto é, a exposição de dados morais como elemento de confiança, parece pesar mais do que os elementos ideológicos de um embate esquerda versus direita. Pesa, inclusive, porque nas sociedades contemporâneas (e no Brasil das últimas décadas) houve uma substituição do que ele chama de “política ideológica” por “políticas de confiança”.
A moral privada captada por câmeras de smarpthones e em conversas telefônicas, enfim, teria muito mais valor que a afirmação de compromissos de classe em um momento em que a identidade das classes sociais se torna muito mais fluida. Algo que, curiosamente, ganha força no contexto de uma civilização apaixonada pela gozação, pela piada pronta, e que descobriu que há ativismos possíveis fora dos movimentos sociais clássicos, organizados, nascidos na esquerda.
Visto dessa perspectiva, podemos entender porque um escândalo envolvendo a vida privada de um político é tomado por muitos como algo de importância política mais abrangente: não é tanto o fato de acreditar que os políticos devem seguir uma conduta moral estrita em suas vidas privadas, mas a preocupação com o que esse comportamento revela sobre a integridade, a credibilidade e o julgamento do indivíduo em questão.
Fonte: O artigo A Nova Visibilidade foi publicado pela revista MATRIZes, do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade de São Paulo , em abril de 2008 (Volume 01, Nº 02, tradução de Andrea Limberto).
Deixe sua opinião