"Há conflito entre sacerdócio e cargo político"
Marcio Antonio Campos
Para o monsenhor Rubens Miraglia Zani, doutor em Direito Canônico pela Pontifícia Universidade Lateranense, em Roma, a legislação da Igreja parte do princípio de que o sacerdócio é incompatível com a atividade política. "A proibição em assumir cargos públicos se funda na incompatibilidade da missão sacerdotal que é fundamentalmente de comunhão com a realidade da política partidária, que é sectária por natureza", afirma o padre da diocese de Bauru (SP). Um parecer sobre o tema, elaborado por um canonista com experiência no Vaticano e oferecido a vários bispos, reforça o conceito. Segundo o texto, a proibição visa "evitar que o mesmo sacerdote chamado por Deus a ser promotor da unidade mediante a participação no munus regendi [dever de governar] dos bispos venha a se tornar causa de divisão e de ruptura de comunhão".
O documento faz recomendações aos bispos que se encontrarem diante de padres interessados em entrar na política partidária. "É, pois, seu doloroso dever pastoral admoestar o sacerdote que se inscrever num partido, intimando-o a retirar imediatamente a sua inscrição ao partido político e a dando-lhe ciência de tal retirada, sob pena de perda de todos os ofícios eclesiásticos a ele confiados (...). Dever ainda mais grave é exortá-lo ainda a não candidatar-se (...), sob pena de suspensão do exercício das sagradas ordens, ao constar publicamente a sua candidatura", afirma o parecer.
Ainda de acordo com o documento, os bispos que permitem a participação político-partidária de seus padres incorrem em "grave negligência", por "dar assim a entender que a lei universal da Igreja pode ser desobedecida". O parecer do ex-consultor do Vaticano afirma que o papel dos sacerdotes não é ter ação partidária direta, mas "contribuir melhor para a purificação da razão e o despertar das forças morais necessárias para a construção de uma sociedade justa e fraterna".
Leigos
Embora a Igreja Católica não permita o envolvimento de padres na política, a participação do cristão leigo nesta esfera é incentivada, e uma das últimas declarações de apoio à entrada de católicos na política veio do papa Francisco. Em julho, durante encontro no Vaticano com alunos e ex-alunos de colégios jesuítas da Itália e Albânia, um professor perguntou a Francisco sobre o envolvimento social dos católicos e o papa respondeu: "Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política. Nós, cristãos, não podemos dar uma de Pilatos e lavar as mãos. Devemos envolver-nos na política, pois a política é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. E os leigos cristãos devem trabalhar na política". O papa ainda lembrou que a política se tornou "suja" justamente pela ausência de bons cristãos.
Análise
A separação entre clero e partidos é necessária, diz especialista
Poder ou dever de se candidatar a um cargo público? Esta é a pergunta que o pós-doutor em Ciência Política Gustavo Biscaia de Lacerda, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), faz sobre a participação de religiosos na política. Para Lacerda, o clero tem capacidade de reunir votos suficientes para ganhar uma eleição, mas nem por isso deve entrar em uma disputa eleitoral. "É necessário separar as coisas. O fato de eles [padres e pastores evangélicos] conhecerem a realidade da comunidade não é mérito. Quem orienta pelo conselho não tem de ter poder de mando; esse poder degrada o poder do aconselhamento", analisa Lacerda.
Na avaliação do especialista, o decreto emitido pelo bispo de Apucarana deveria ser reproduzido em outras regiões do país. "É uma decisão que deveria ser estendida e incorporada à Lei Eleitoral, para vedar que todos os sacerdotes e pastores [evangélicos] concorressem a cargos públicos", afirma o especialista.
725 membros de ordens religiosas se candidataram a prefeito ou vereador em 2012, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Desse total, 82 foram eleitos 17 prefeitos e 65 vereadores. No Paraná, de 43 candidatos sacerdotes, dois se tornaram prefeitos e três, vereadores.
Ainda falta um ano para as próximas eleições, mas os bispos católicos já começaram a orientar seus padres sobre a impossibilidade de concorrer a cargos públicos. Em Apucarana, no Norte do Paraná, o bispo diocesano, dom Celso Antônio Marchiori, emitiu decreto vetando o envolvimento de padres, diáconos e presbíteros com candidaturas em 2014. O texto apenas reforça uma lei que vale para toda a Igreja: o parágrafo 3.º do cânon (artigo) 285 do Código de Direito Canônico, segundo o qual "os clérigos são proibidos de assumir cargos públicos, que implicam participação no exercício do poder civil".
O decreto esfriou os ânimos de sacerdotes filiados a partidos e cotados, nos bastidores, para trocar o altar pelo palanque. A esses padres coube pedir a desfiliação partidária ou enfrentar a suspensão por quatro anos o período pelo qual estariam exercendo mandato, eleitos ou não. Um padre suspenso fica impedido de exercer várias atividades, como celebrar missas e ouvir confissões. O retorno à vida pastoral após esse tempo também não é automático depende da decisão do bispo. Um outro artigo do Direito Canônico, o 287, também proíbe que padres se filiem a partidos políticos ou façam parte da diretoria de sindicados, a não ser em circunstâncias muito específicas.
Segundo o vigário-geral da Diocese de Apucarana, padre Paulinho Amaral, a medida foi tomada com antecedência para evitar, mais adiante, desgastes em convenções partidárias. No que diz respeito às filiações partidárias, a única exceção aberta pelo decreto de dom Celso é para os padres que deixaram prefeituras neste ano. É o caso dos sacerdotes Osvaldo Campos de Almeida (PTB), ex-prefeito de Borrazópolis, e José Martins de Oliveira (PTB), de Jardim Alegre.
É o próprio dom Celso quem diz que o decreto esclareceu a posição da diocese e que a discussão já está resolvida sacerdotes que estavam pensando em se candidatar desistiram de tentar a carreira política. Os padres Antônio José Beffa (PHS), atual prefeito de Arapongas, e Hilário Vanjura (PSDB), prefeito de Lunardelli, estão suspensos desde que iniciaram mandato neste ano.
Em outras regiões do estado, os bispos repetem o mesmo discurso de dom Celso. O arcebispo de Maringá, dom Anuar Batistti, lembra que essa decisão não está a critério de cada bispo, mas que se trata de obedecer ao Código de Direito Canônico. "Deixamos claro que aquele sair candidato deve deixar o ministério. Uma coisa não combina com a outra, o partido racha a comunidade", afirma. Em 2008, o arcebispo de Cascavel, dom Mauro Aparecido dos Santos, também lançou mão de um decreto para vetar a participação de sacerdotes nas eleições. E em Londrina, o arcebispo dom Orlando Brandes também afirma que não deverá haver padres pleiteando cargos públicos em 2014.
Colaborou: Marcio Antonio Campos
Párocos relativizam o Direito Canônico
Embora não haja exceções à proibição da atividade político-partidária por parte dos sacerdotes, alguns bispos e padres ignoram ou relativizam o Direito Canônico para justificar sua participação na política. O vereador e ex-prefeito de Londrina Padre Roque (PR) defende que os padres, sendo pessoas livres, deveriam ter a possibilidade de exercer cargo público. "Fé e vida são coisas que caminham juntas, não uma coisa estagnada", argumenta.
Ele também afirma que, mesmo afastados de suas funções, os padres continuarão sempre sendo sacerdotes. Esta condição o fez recorrer à Justiça para garantir o uso da palavra "padre" em seu nome político. "Fiz isso porque em Londrina houve alguns questionamentos quando fui eleito", conta, ao recordar que, quando assumiu uma cadeira na Câmara, já estava afastado de sua paróquia havia quatro anos.
O ex-prefeito de Borrazópolis Osvaldo Campos de Almeida (PT) diz ter exercido o mandato paralelamente às atividades de padre por oito anos. Durante o dia, ele dava expediente na prefeitura e, à noite, celebrava missas fora da cidade. "Os bispos têm de defender a Igreja, mas dá para conciliar as duas coisas. Na experiência que tive como prefeito, nunca abandonei minha paróquia", diz.
O bispo de Cornélio Procópio (Norte Pioneiro), dom Getúlio Teixeira Guimarães, não suspendeu o prefeito de Santa Cecília do Pavão, o padre José Sérgio Juventino (PPS), que, no entanto, só celebra missas em outros municípios pertencentes ao território da diocese. Para dom Getúlio, a medida não desrespeita o Direito Canônico, mas abre uma "exceção". "Ele vai presidir missas quando a comunidade precisar de um sacerdote, é a necessidade da comunidade, não dele", justifica.
O padre José Sérgio, conhecido como padre Zezinho, diz interpretar o Código de Direito Canônico com bases em "princípios de fé" e não sob o ponto de vista jurídico, apesar do caráter explícito do texto legal. "O Código tem de ser adaptado de acordo com a necessidade da diocese. Eu respeito o que ele diz, mas estou exercendo uma missão por um período limitado", diz. Segundo dom Getúlio, depois desse caso os demais padres que se interessavam em disputar cargos políticos desanimaram.
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