Ao anunciar a denúncia contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol discorreu sobre o presidencialismo de coalizão vigente no Brasil e disse que Lula foi obrigado a negociar com partidos como PP e PMDB para garantir maioria no Congresso, o que não tinha ao assumir em 2003. E, para garantir o bom andamento na relação com o Legislativo, o petista teria baseado sua gestão na “propinocracia”, cujo resultado era uma “governabilidade corrompida”.
Entenda o conceito de “propinocracia”, usado pelo MPF
Para especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, porém, o procurador deturpou o funcionamento do sistema político brasileiro ao tentar criar uma lógica política para o esquema de corrupção no governo Lula.
Na visão de Luiz Domingos Costa, do Grupo Uninter, o caixa dois eleitoral é, na verdade, o ponto inicial do desvio de recursos públicos no país. Segundo ele, as eleições eram muito caras, sem limites de gastos, levando os dirigentes partidários a buscar no poder público o dinheiro para financiar as campanhas. “O próprio Roberto Jefferson afirmou que a corrupção no governo Lula tem a ver com os métodos que os partidos adotaram para roubar e financiar suas campanhas”, disse. “As planilhas da Odebrecht mostram esse movimento a cada dois anos para bancar campanhas e não o funcionamento da rotina do Parlamento.”
Ele explica que o dia a dia do Legislativo opera em termos ideológicos, como na relação PT-PCdoB ou PSDB-DEM, e fisiológicos, por meio da distribuição de cargos. Sobre esse último caso, ele diz que pode haver questionamentos morais, mas não se está tratando de crime. “O Parlamento não se baseia em corrupção. A governabilidade depende do manejo do apoio político pelo presidente. O problema está na competição eleitoral. Faça uma eleição barata e a multiplicidade de partidos continuará existindo. Se a questão fosse o presidencialismo de coalizão, o país não teria se sustentado há 20 anos nesse modelo.”
Na mesma linha de raciocínio, Mário Sérgio Lepre, da PUCPR, avalia que o sistema político nacional é pernicioso, mas não se pode atribuir a ele a existência da corrupção. Para o professor, apesar de precisar de reformas, o presidencialismo de coalizão não está calcado no desvio de recursos públicos. “Você pode estabelecer uma agenda de programas e conseguir a manutenção da base aliada em cima disso. Ou pode usar o fisiologismo, por meio da nomeação de cargos, mas isso não necessariamente é corrupção.”