Por trás do bordão “afinal de contas, o nosso povo merece respeito”, usado nos encerramentos de seus discursos nas igrejas e boletins diários na rádio Melodia FM, de programação evangélica, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), construiu uma ampla rede de apoio político no Congresso e no Estado do Rio. Seu grupo reúne parlamentares, líderes religiosos e comunitários. E é com esse capital político que o peemedebista conta para se manter firme no cargo diante da denúncia, apresentada na semana passada ao Supremo Tribunal Federal (STF), de envolvimento nos desvios investigados na Operação Lava Jato.
Presidente da Câmara dispõe de arsenal de pautas-bomba
Cunha pode conter ou acelerar medidas que criam despesas à União
Leia a matéria completaO procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que parte da propina destinada ao presidente da Câmara foi paga em doação para uma Assembleia de Deus em Campinas (SP), presidida por Samuel Ferreira, que escreve para o site de Cunha, “Fé em Jesus”. Samuel é irmão do pastor Abner Ferreira, presidente da Assembleia de Deus de Madureira, uma das que o peemedebista frequenta no Rio. A igreja de Campinas recebeu R$ 250 mil das empresas de Júlio Camargo, delator que afirmou que o deputado pediu a ele US$ 5 milhões. O parlamentar nega todas as acusações.
Além das participações nas igrejas, na rádio e da rede de apoios que construiu, Cunha influencia fiéis fora das dependências da Câmara e dos cultos evangélicos. No mundo virtual, o peemedebista é dono de 284 domínios na internet — muitos já desativados, mas ainda em seu nome —, sendo que 175 deles, mais de 60% do total, possuem a palavra “Jesus” no endereço eletrônico.
Cunha não é de família evangélica. Entrou na Igreja Sara Nossa Terra há cerca de 20 anos levado por Francisco Silva, dono da Rádio Melodia FM. Mas trocou recentemente de denominação religiosa, mudança percebida como estratégia para ampliar seu rebanho. Foi para a Assembleia de Deus, maior e mais influente. A igreja reúne cerca de 13 milhões de seguidores, segundo o IBGE. É a maior igreja evangélica do país. A Sara Nossa Terra tem pouco mais de 1 milhão de fiéis.
A mudança de denominação credenciou o peemedebista a buscar votos nos templos da Assembleia de Deus e a conquistar a confiança de nomes como Pastor Everaldo — que se candidatou à Presidência no ano passado — e bispo Manoel Ferreira, um dos principais líderes evangélicos no Estado do Rio. Com a igreja como aliada, Cunha conseguiu mais capilaridade para sua candidatura e garantiu a popularização de seu nome nos rincões do estado.
Pedidos a obreiros
Durante a corrida eleitoral de 2014, o peemedebista fez intensa campanha nas igrejas evangélicas, principalmente na Baixada e na Zona Oeste. Em seu perfil no YouTube, postou oito vídeos fazendo campanha nelas. Em um deles, do dia 10 de agosto, Cunha e os deputados estaduais Coronel Jairo e Fábio Silva, do PMDB, foram à reunião de obreiros na Catedral das Assembleias de Deus em Santa Cruz. Na reunião, com o templo lotado, o pastor apresentou os três como candidatos oficiais. “Estou aqui apresentando como candidato oficial da nossa convenção, nosso candidato a deputado federal, deputado Eduardo Cunha, e os nossos dois candidatos a deputado estadual, que nós vamos trabalhar para fazê-los reeleitos, o coronel Jairo e o deputado Fábio Silva.”
O objetivo foi alcançado, e Cunha foi o terceiro deputado federal mais votado do Rio, com 232,7 mil votos. Melhorou seu desempenho em relação à eleição de 2010, quando teve 150.616 votos, e foi o quinto entre os mais votados. Quando se elegeu presidente da Câmara, o deputado foi a um culto na Assembleia de Deus de Madureira agradecer a vitória. Durante os fins de semana no Rio, o peemedebista circula entre as igrejas e não vai apenas a uma específica, justamente para circular entre o eleitorado e as lideranças religiosas. “Ele tem uma rotina muito puxada quando está no Rio. Vai às igrejas e visita obras de aliados”, diz o deputado federal Washington Reis (PMDB-RJ).
Apesar da troca, não houve rompimento entre os pastores da Sara Nossa Terra e o presidente da Câmara. O clima continuou amigável, tanto que o presidente da igreja e ex-deputado, pastor Robson Rodovalho, frequenta sem problemas o gabinete do peemedebista em Brasília. Para os religiosos da igreja no Rio e em São Paulo, Cunha buscou se fortalecer, inclusive para levar adiante pautas de interesse do público evangélico em geral.
Alinhado com o público que ajudou a elegê-lo, o peemedebista é defensor das pautas relativas aos direitos da família. É assim que também mantém o apoio dos líderes religiosos, que veem em Cunha um deputado capaz de engavetar projetos que não lhes agradem e de levar adiante propostas que estejam entre suas demandas.
Ao ocupar o púlpito de igrejas evangélicas ou a tribuna da Câmara, o peemedebista tem afirmado não ter qualquer relação com os escândalos descobertos na Petrobras. Trata as notícias como boatos e mentiras. Mesmo sem falar diretamente sobre o assunto, dá seus recados por meio das mensagens bíblicas. Em sua página no Facebook, posta todos os dias uma delas. Um dia depois de ser denunciado, a passagem da Bíblia foi do livro de Salmos: “Quanto a mim, contemplarei a tua face na Justiça; eu me satisfarei da tua semelhança quando acordar”. Em 25 de julho, dias após Júlio Camargo ter citado seu nome, postou um texto do livro do Êxodo: “Não admitirás falso boato, e não porás a tua mão como o ímpio, para seres testemunha falsa”.
Em seus boletins diários na rádio Melodia FM, acompanhados durante duas semanas pelo GLOBO, Cunha falou de política, das dificuldades do país e comentou a prisão do ex-ministro José Dirceu na Operação Lava-Jato. A rádio é líder na Baixada Fluminense, onde estão alguns dos maiores colégios eleitorais do Estado do Rio, e a número um entre as emissoras religiosas. “O Partido dos Trabalhadores, segundo o juízo do Paraná, estaria cometendo no chamado petrolão as mesmas práticas do chamado mensalão. O que o juiz fez com a interpretação dessa prisão foi unir as duas denúncias, como se fosse um crime continuado, e se deu por práticas feitas dessa forma pelo Partido dos Trabalhadores, que estaria comandado por José Dirceu fazendo dessa forma. É uma acusação grave e que certamente terão (sic) outros desdobramentos a partir de agora.”
Domínios na rede
Na internet, entre os domínios em seu nome, Cunha mantém o “shoppingjesus.net”, “jesuschrist.com” e “googlejesus.com.br”. Outros vários sites trazem referências à religião, como “compradecrente” e “segurasuabencao.net.br”. Só para ter posse dos domínios, ele gasta pelo menos R$ 8.520 por ano. A conta — baseada nos valores cobrados pelo site Registro.br, principal portal de registro de domínios na internet no país, e que cobra R$ 30 por domínios cadastrados pelo período de um ano — equivale a só um quarto de um mês de salário do parlamentar, de R$ 33.763 mensais.
A página mais importante do peemedebista é o Jesus.com, que tem como nome fantasia “Fé em Jesus”. O site da Receita Federal mostra que os donos do portal são Cunha e sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, e que ele foi criado em janeiro de 2012. Seis meses depois, na Marcha para Jesus de São Paulo, o peemedebista lançou oficialmente o site. “Quero criar um mundo evangélico na internet”, afirmou ao jornal “Folha de S.Paulo” na época.
Quem entrar no Jesus.com não saberá que Cunha está entre os denunciados pelo procurador-geral. De 11 matérias que mencionam a Lava-Jato no site do presidente da Câmara, apenas uma trata de acusações a Cunha, e mesmo assim apresentando apenas uma defesa que o deputado federal escreveu no Twitter para rebater reportagem do GLOBO de 8 de março, que apontou que requerimentos em comissão da Câmara mostraram que aliados dele fizeram pressão sobre as empresas Samsung e Mitsui.
Deixe sua opinião