Para um bom homem público, não basta fazer política
O cientista político Mário Sérgio Lepre, da PUCPR, afirma que a paralisia do poder público vista a cada dois anos, durante o período eleitoral, decorre do fato de a cultura política brasileira não ser uma cultura democrática. Na visão dele, o comportamento de boa parte da classe política contribui para que isso ocorra. "Administrar é gerenciar a coisa pública e não apenas fazer política. Enquanto não mudarmos o modus operandi da política e tivermos essa simbiose entre coisa pública e particular, tudo vai permanecer sem mudanças significativas. Os governantes continuarão fazendo do cargo uma extensão do grupo que está no poder", lamenta.
Lepre ainda aponta algumas saídas que, se não vão provocar mudanças profundas nesse cenário, poderão ao menos promover algumas melhorias. Entre elas, unificar todas as eleições em uma única eleição geral a cada quatro anos ou separar os pleitos entre regionais (prefeitos, vereadores, governadores e deputados estaduais) e nacionais (presidente, senadores e deputados federais). "Vários países do mundo têm eleição constantemente e isso não atrapalha a gestão pública. É preciso acabar com a lógica do calendário eleitoral brasileiro, no qual não se trabalha mais quanto maior a proximidade do pleito."
O período que separa as eleições no Brasil é de dois anos. Para a classe política em geral, porém, o processo eleitoral não tem uma data ou um período específico. Todo dia é dia de se preocupar com a eleição seguinte e já ir garantindo a manutenção no poder. É o que afirmam especialistas. Apesar de considerarem natural que os políticos pensem no longo prazo e projetem a continuidade de suas carreiras, eles avaliam que a gestão pública e, consequentemente, a população saem bastante prejudicadas em virtude desse processo.
Para eles, os próprios governantes perdem ao se preocupar em demasia com a próxima eleição. Afinal, se deixarem de fazer um bom governo e se focarem apenas na disputa eleitoral, a eleição seguinte já estará comprometida.
Nos últimos anos, a discussão sobre a eleição seguinte tem ocorrido cada vez mais cedo e priorizado quase sempre o foco eleitoral e as articulações político-partidárias. Um dos exemplos é a corrida pela prefeitura de Curitiba (veja quadro ao lado). Enquanto o atual prefeito Luciano Ducci (PSB) busca trazer para o seu lado o maior número de partidos, outros postulantes ao cargo também já começaram a trabalhar nos bastidores para o pleito do ano que vem. Tudo isso apenas sete meses depois das últimas eleições e faltando quase um ano e meio para os curitibanos voltarem às urnas.
Na avaliação do cientista político Mário Sérgio Lepre, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a lógica do modelo político brasileiro é tratar equivocadamente a política como uma profissão e a coisa pública como propriedade privada. Segundo ele, o fato de haver na administração pública centenas ou, às vezes, milhares de vagas comissionadas (de livre nomeação) a serem preenchidas motiva os governantes a sempre estarem brigando para se manter o poder e, assim, poderem distribuir cargos e favores entre seu grupo de apoio político. "Embora a disputa eleitoral seja natural, ela é prejudicial. A gestão pública deveria ser mais racional, voltada para uma lógica de administração e gerenciamento no melhor sentido da palavra", critica. "Há um excesso de cargos de livre nomeação no serviço público. Se houvesse uma administração mais gerencial e mais servidores de carreira, essa disputa pelo poder continuaria existindo, mas como certeza diminuiria."
Essa mentalidade, segundo Lepre, leva a situações "absurdas", como a do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PSD). Alegando falta de espaço no DEM, ele fundou o PSD e levou consigo políticos de vários outros partidos em todo o país. Ao classificar a nova legenda como "independente" (nem de governo nem de oposição), Kassab tem procurado deixar todas as portas abertas para consolidar sua candidatura a governador de São Paulo em 2014. "Ele está construindo um partido e usando a máquina da prefeitura pensando nas eleições. O paulistano está sendo enganado por ele. O que ele está fazendo pela cidade nos últimos tempos?", questiona.
Presente X futuro
Já o cientista político Antônio Octávio Cintra, professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), classifica como inerente e inevitável a postura dos governantes de estarem sempre pensando na próxima eleição. Para ele, é natural que qualquer pessoa projete uma ascensão na carreira, seja ela qual for. "Quem entra na carreira política entra motivado por uma carreira no longo prazo, assim como ocorre no mundo dos negócios, em que o empresário pensa permanentemente em estratégias, no que o concorrente vai fazer", afirma.
Ele alerta, porém, para o risco que isso representa para o desenvolvimento do Estado e para a própria carreira do governante. "O que elege um político é o juízo do eleitor sobre como ele administrou aquele período, se fez um bom governo. Seguindo essa linha, entra com mais credencial na eleição", pondera. "Portanto, ficar pensando muito na eleição daqui a dois ou quatro anos e se esquecer de fazer as coisas do agora pode jogar contra o cálculo de tentar se reeleger. Afinal, o jogo futuro depende, e muito, da avaliação do presente."
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