Um parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) aponta como “grave irregularidade” a edição de quatro medidas provisórias em 2015 que criaram gastos extras de R$ 49,6 bilhões sem levar em conta critérios de urgência, imprevisibilidade ou calamidade, necessários à proposição de MPs pela presidente Dilma Rousseff. O parecer integra o processo no TCU que analisa as contas de 2015 da de Dilma, e foi encaminhado aos gabinetes dos ministros na última sexta-feira (10) pelo relator do processo, ministro José Múcio Monteiro.
O Ministério Público elencou cinco irregularidades relacionadas às MPs que criaram os créditos extraordinários. Os apontamentos se somam a outros 19 indícios de irregularidades nas contas de Dilma, listados pela área técnica do TCU num documento de 117 páginas. Entre esses indícios está a edição de seis decretos autorizando créditos suplementares, sem aval do Congresso – antes da aprovação da nova meta fiscal enviada ao Parlamento. Assim, a análise das contas de 2015 de Dilma pode levar em conta indícios de irregularidades na liberação de novos créditos tanto por meio de decretos quanto por meio de MPs, uma novidade até agora no julgamento das contas pelo TCU.
Múcio poderá submeter 24 indícios de irregularidades à apreciação pelo plenário. Uma primeira análise pelo colegiado está prevista para ocorrer na quarta-feira (15). O relator deve dar um prazo de 30 dias para a presidente apresentar explicações. O ministro decidirá hoje quais pontos indicados pelos auditores e pelo Ministério Público serão levados à sessão de quarta.
No ano passado, os ministros do TCU aprovaram um parecer pela rejeição das contas de 2014 com base em 13 indícios de irregularidades. A rejeição pode voltar a ocorrer neste ano. A palavra final é do Congresso. O processo de impeachment de Dilma, afastada desde 12 maio, tem como base a edição de decretos de créditos suplementares e a prática das “pedaladas” fiscais, presente no julgamento das contas.
Gastos em cenário adverso
O parecer que considera irregulares as MPs 686, 697, 702 e 709 de 2015 – todas convertidas em lei – é assinado pelo procurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Paulo Soares Bugarin. “Além da abertura de créditos suplementares sem autorização legislativa, por meio de decretos do Executivo, houve também a abertura de créditos extraordinários por medida provisória, com inobservância aos pressupostos constitucionais de imprevisibilidade e urgência”, afirma. “As graves irregularidades cometidas tiveram como consequência a manutenção ou expansão dos gastos públicos em um cenário onde a legislação orçamentária e fiscal impunha uma maior restrição na execução dos gastos.” Conforme o Ministério Público junto ao TCU, a abertura de créditos extraordinários por meio de MPs só é possível para atender a despesas “imprevisíveis e urgentes”, como em casos de guerra, comoção interna ou calamidade pública.
Uma das MPs abriu crédito de R$ 5,1 bilhões para o Ministério da Educação garantir a continuidade do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies); de R$ 4,6 bilhões para o pagamento de auxílio nos juros cobrados pelo BNDES; e de R$ 35,8 milhões para a aplicação do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade). “Não é possível identificar nenhum fato imprevisível que justificasse tal medida”, diz o procurador-geral no parecer. “Há características de créditos suplementares, apesar de classificados como extraordinários. Assim, as autorizações dessas despesas deveriam ter prévia autorização legislativa”, continua.
O procurador argumenta que aumentos de despesa devem ser acompanhados de cortes de outros gastos em valores equivalentes. “O uso de MP para créditos suplementares burla a exigência de observância da meta fiscal, macula as estatísticas fiscais, aumentando valores destinados a créditos extraordinários fictícios, o que atenta contra as normas de direito financeiro, em especial a lei orçamentária e o adequado controle legislativo”, cita o parecer.
Outra MP abriu créditos extraordinários de R$ 2,5 bilhões ao Ministério da Saúde, para aumento de demandas de média e alta complexidade no SUS; R$ 10,9 bilhões ao Ministério do Trabalho e Emprego, para pagamento de passivos do FGTS; R$ 8,9 bilhões ao Ministério das Cidades, destinado a passivos do Minha Casa Minha Vida; e R$ 15,1 bilhões para passivos com o BNDES por conta de auxílios nos juros de financiamentos. O dinheiro destinado à Saúde está de acordo com o que prevê a Constituição para MPs, segundo o procurador-geral, “ante a alegada situação de vulnerabilidade para a ocorrência de surto das epidemias de dengue, zika e chikungunya”. Os outros três casos dizem respeito a pagamentos de “pedaladas”, o que não deveria ser feito via MP, segundo o MP.
O documento conclui que a abertura de créditos viola a Constituição, normas gerais do direito financeiro, a lei orçamentária e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Além disso, o Ministério Público entende que a autorização de operação de financiamento do projeto de compra de novos caças para a Aeronáutica infringiu a LRF.
Erros repetidos
O relatório técnico que embasará o voto de Múcio considerou ilegal o pagamento das “pedaladas” feito nos últimos dias de 2015, na ordem de R$ 74 bilhões. Este registro foi incluído como parte dos indícios de irregularidades nas contas de 2015.
O ex-advogado-geral da União José Eduardo Cardozo, que faz a defesa da presidente afastada, disse que os créditos não precisavam passar pelo Congresso, conforme a lei orçamentária. “As despesas autorizadas não eram incompatíveis com a meta fiscal, uma vez que estavam contingenciadas. O curioso é que o próprio TCU, no período, também pediu um decreto semelhante”, disse.
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