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“Os partidos são muito mais unidades eleitorais que máquinas estruturadas e programáticas. Têm lá suas identidades e diferenças entre si, mas todos estão vivendo um problema em sua relação com as sociedades" | Antônio Costa/ Gazeta do Povo
“Os partidos são muito mais unidades eleitorais que máquinas estruturadas e programáticas. Têm lá suas identidades e diferenças entre si, mas todos estão vivendo um problema em sua relação com as sociedades"| Foto: Antônio Costa/ Gazeta do Povo

Os partidos políticos estão vivendo um processo de distanciamento da sociedade, ao mesmo tempo em que vão se vinculando ao Estado. Apesar de cada vez menos dialogarem com a sociedade, as legendas mantêm sua força, dado o seu acoplamento com o poder estatal. Esta é a avaliação do cientista político Jairo Nicolau, pós-doutor em Ciências Políticas pelo Centro de Estudos Brasileiros da Uni­­­ver­­­sidade de Oxford (Ingla­­­­terra). Ele esteve em Curitiba na terça-feira passada para falar sobre o poder dos partidos no Paço da Liberdade/Sesc.

Nicolau é professor e pesquisador do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), da Universidade Can­­dido Mendes, e estuda eleições, campanhas, partidos e comportamento político. Em entrevista exclusiva à Gazeta do Povo, ele falou sobre a situação das siglas no Brasil, o troca-troca partidário – apesar da regra de fidelidade – e o impacto do Bolsa Família na eleição do próximo ano.

Qual sua avaliação sobre as le­­gendas e sua relação com a sociedade?

O Brasil tem um sistema partidário, com legendas que já tem cerca de 30 anos, como o PT e o PMDB. Ou seja, os partidos já são organizações velhinhas. Acho que eles estão se colando muito no Estado e se distanciando da sociedade. Afinal, o que os partidos estão fazendo para a sociedade? Nada. Se num primeiro momento imaginávamos que os partidos eram organizações da sociedade, que faziam interação com a política, hoje eles viraram quase apêndices do governo. Isso, por um lado, dá força a eles, quando estão acoplados ao Estado. Pois podem fazer política de patronagem, para os seus quadros, como uma figura dependente do Estado. Nesse sentido, são fortes. Mas com relação ao diálogo com a sociedade, acho que precisariam de um arejamento.

Se os partidos pouco representam a sociedade, o que sobra?

Esse fato é uma tendência também vista em outros países. Os partidos são muito mais unidades eleitorais que máquinas estruturadas e programáticas. Têm lá suas identidades e diferenças entre si, mas todos estão vivendo um problema em sua relação com as sociedades. O mundo em que os partidos surgiram e no qual pretendiam representar a sociedade de massa, industrial, acabou. As identidades de classe, como havia no Reino Unido, por exemplo, desapareceu. Isso sem contar com as opções de lazer, divertimento e comunicação que surgiram. É claro que isso também se refletiu na política.

Nesse contexto, o que se pode esperar daqui para frente?

Os partidos não vão acabar porque eles têm o monopólio da representação política. No Brasil, não se pode ter candidatura avulsa. Mas eu acho que o partido, como organização da sociedade, que renova, que dialoga, dificilmente vamos ver no país.

Há quem possa ocupar esse espaço?

Na minha avaliação, os partidos vão cultivar conexões ocasionais com a sociedade. Eles não são fracos, porém são muito dependentes do Estado. Não vejo eles ga­­nhando uma energia da sociedade, se comunicando. De fato, nem sei se isso é mais possível. Hoje a juventude não quer entrar em partidos. Os jovens preferem fazer trabalho social a entrar em discussões infinitas em partidos. Uma parte tem interesse e vai entrar nas legendas. Mas os partidos de massa, eles estão desaparecendo. Aqui nós nem chegamos realmente a ter partidos de massa, mas no Reino Unido, por exemplo, ano a ano, eles vêm perdendo filiados.

Os partidos brasileiros têm hoje ideologia ou programa político?

Na média, acho que os partidos brasileiros são muito pragmáticos. Mas isso não quer dizer que não sigam algumas ideias ao longo do tempo. É diferente de países parlamentaristas em que os programas dos partidos são muito relevantes. No Brasil, praticamente nunca discutimos programas de governo. Claro que há um ou outro partido que busca uma certa identidade. Mas estão longe de serem partidos programáticos, quando comparados aos partidos europeus.

E isso é bom ou ruim?

É difícil saber. A Venezuela, por exemplo, tinha partidos programáticos e acabou entrando numa crise. Os partidos venezuelanos hoje são ideológicos, mas estão longe de serem partidos com aquela matriz europeia, programáticos. Apesar da regra de fidelidade partidária, 32 parlamentares federais trocaram de partido antes de terminar o prazo estabelecido pela Justiça Eleitoral, para concorrer às eleições no próximo ano.

Isso mostra que a regra não funcionou?

Comparativamente com outros anos, a média chegava a 70 parlamentares trocando de partidos, no período compreendido entre setembro, outubro de anos ímpares que antecedem eleições gerais. Havia caso de políticos que chegavam a trocar de partido duas ou três vezes no mesmo mês, procurando uma melhor legenda para concorrer. Na realidade, desde março de 2007, quando a norma foi definida pelo TSE e depois foi pelo STF consagrada, praticamente as trocas ficaram estabilizadas. Os últimos dois anos foram o que menos vimos troca de partidos.

Para mim, foi uma surpresa o volume de trocas que ocorreu agora, porque a decisão do Supremo é muito cristalina. Mas, depende de os partidos solicitarem seus mandatos de novo. Algumas legendas não vão recorrer porque não só perderam como receberam novos membros. Agora o Ministério Público pode entrar na Justiça independente de partidos. O PT, por exemplo, disse que não vai pedir o mandato da (senadora) Marina Silva (ela migrou para o PV). Acho que isso aconteceu agora, porque os políticos perceberam que qualquer decisão de cassação provavelmente sairá somente em meados do próximo ano. A Justiça demora para julgar o pedido de cassação. Então, resolveram arriscar. Se perderem o madato, isso vai acontecer lá pelo final do ano que vem, quando estiverem em campanha. Com a troca de partido, arriscam perder o mandato, mas, ao mesmo tempo, vão a um partido que entendem ser melhor para concorrer.

Na sua avaliação, o Bolsa Fa­­­mília deve influenciar as próximas eleições?

É o grande programa do governo Lula e pode ser usado politicamente. Provavelmente todos os candidatos devem dizer que vão manter o programa. Pode ser uma campanha positiva. Ou podem dizer que a oposição vai desmontar isso tudo. Esse tema vai se politizar, mas não acredito que nessa altura seja o fator decisivo. Acho que o decisivo será o quanto Lula vai conseguir transferir da força política que adquiriu nesse período, como dirigente mais bem avaliado desde que se faz pesquisa no Brasil. Isso não é brincadeira. O quanto ele consegue transferir disso para quem apoiar é que será o mais importante. O Bolsa Família foi importante em 2006, quando estava se iniciando. Hoje está consolidado e é mais um programa de Estado que de partido.

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