Congresso
Senadores defendem voto de todos os juízes de primeira instância
Euclides Lucas Garcia, com agências
No Congresso há duas propostas de emenda à Constituição Federal (PECs) com o objetivo de democratizar a eleição da cúpula dos tribunais estaduais. Os projetos determinam eleições diretas, com a participação de juízes de primeiro grau, para a presidência das cortes.
Atualmente, participam da votação para a cúpula dos tribunais apenas os desembargadores. Pelas PECs em tramitação, porém, todos os magistrados, inclusive juízes de primeira instância, teriam direito ao voto nos casos da escolha de presidente e vice-presidente. O corregedor seria escolhido pelos desembargadores em eleição interna.
"A escolha do presidente do tribunal deve se pautar por um processo democrático", justificou Nelson Calandra, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), em recente entrevista à Gazeta do Povo. "Não é possível que um juiz de direito que impõe penas de 40 anos de prisão, por exemplo, não possa votar na eleição para escolha do presidente do tribunal."
Desacordo
Por outro lado, a maioria dos presidentes dos TJs é contra a posição da AMB e as PECs dos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP) e Vital do Rêgo (PMDB-PE). No 91.º Encontro do Colégio Permanente de Presidentes de Tribunais de Justiça, realizado em Manaus no início do mês, os chefes dos Judiciários estaduais atacaram a mudança.
Segundo os desembargadores, a necessidade de fazer campanha para chegar à cúpula, inclusive com promessas de concessão de benefícios, pode resultar em danos ao interesse público. Vários presidentes de TJs afirmaram que ministérios públicos já sofreram esse prejuízo ao estenderem a votação para seus membros da primeira instância.
Um grupo de deputados apresentou ontem na Assembleia Legislativa do Paraná uma proposta de emenda à Constituição Estadual (PEC) que altera a forma de eleição para o comando do Tribunal de Justiça (TJ). Pelo projeto, qualquer um dos 120 desembargadores poderá concorrer à presidência da entidade. Hoje, apenas os 25 integrantes do Órgão Especial do TJ são elegíveis. A medida, porém, divide opiniões. Enquanto alguns afirmam que a mudança irá democratizar o Judiciário, há quem defenda que ela vai estimular a disputa interna por poder e politizar o tribunal (leia mais ao lado).
Hoje, somente os 25 desembargadores do Órgão Especial podem ser eleitos para os cargos de presidente, primeiro e segundo vice-presidentes, corregedor-geral e corregedor. O Órgão Especial é formado por um presidente, pelos 12 magistrados mais antigos e outros 12 eleitos.
"É uma alteração há muito tempo pedida pelo TJ, para dar oportunidade a todos os desembargadores. Em todos os estados já funciona assim", afirma um dos autores da proposta, o presidente da Assembleia, Valdir Rossoni (PSDB). A mesma análise é feita pelo presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB), José Lúcio Glomb. "Em um universo de 120, a possibilidade de escolha torna-se maior e melhor. Qualquer desembargador que chega ao TJ deve ter plenas condições de concorrer na eleição", defende.
Fim dos problemas
Também defensor da mudança, o presidente da Associação dos Magistrados do Paraná (Amapar), Fernando Ganem, diz que, muitas vezes, o resultado da eleição do tribunal não reflete a verdadeira vontade dos desembargadores. "Em alguns casos, dois ou três desembargadores têm um apoio muito maior que o candidato do Órgão Especial", critica.
Ganem afirma ainda que a alteração evitará, por exemplo, questionamentos quanto a eventuais desrespeitos à Lei Orgânica da Magistratura, que determina que o presidente seja escolhido entre os desembargadores mais velhos ou seja, pelo critério da antiguidade. Na eleição do atual presidente do TJ, Miguel Kfouri Neto, o caso foi parar no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), uma vez que ele era o 55.º na lista de antiguidade, enquanto o segundo colocado, o desembargador Sérgio Arenhart, era o 12.º mais velho do tribunal paranaense o CNJ julgou a ação improcedente. Recentemente, Kfouri também apoiou a mudança na forma de eleição do TJ.
Mudança trará conflito interno e fisiologismo, dizem juristas
A mudança na forma de eleição da cúpula diretiva do TJ em trâmite na Assembleia Legislativa está longe de ser unanimidade. Para o jurista René Ariel Dotti, apesar de a medida parecer democratizante, ela pode incentivar a luta pelo poder dentro do tribunal. "Esse estímulo ao conflito interno entre grupos de poder terá um resultado extremamente nocivo e um prejuízo imenso ao TJ e aos cidadãos", afirma. "Não vejo isso como um avanço democrático. Ao contrário, o resultado será muito prejudicial à segurança de trabalho do tribunal."
O desembargador Néfi Cordeiro, do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4), vê na mudança o risco de politização do Judiciário. "Para ser presidente, a pessoa passaria a ter de fazer contatos, promessas de campanha, propostas que podem não ser exatamente do interesse do Judiciário", analisa. "Para mim, que vivo há mais de 20 anos sob a regra de os mais antigos serem eleitos, vejo mais risco de politização do que vantagem ao democratizar a eleição no tribunal."
Alguns deputados estaduais revelaram que já vem sofrendo pressão de desembargadores do Órgão Especial do TJ contrários à mudança.
Referência
Segundo Dotti, o melhor caminho a seguir é o trilhado hoje pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no qual os ministros se revezam na presidência a cada dois anos em um sistema de rodízio. Ele argumenta que essa forma evita os problemas de um processo eleitoral comum. "Essas disputas têm distorções profundas, como corrupção e fisiologismo. Isso cria resistências e dissidências muito grandes", critica. "O método do rodízio tem dado muito certo, porque não se muda a estrutura administrativa e são poucos os cargos comissionados à disposição da cúpula."
O jurista alerta ainda para o risco de o CNJ intervir no assunto e questionar a validade da PEC, caso ela seja aprovada pela Assembleia. "Essa inovação poderá se chocar com a orientação dos tribunais superiores, que têm poder vinculante em matéria administrativa", afirma.
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