Uma planilha de cinco páginas apreendida pela Polícia Federal no escritório do lobista Mauro Marcondes Machado, 79, revela que ele trabalhava com 18 “projetos” diferentes que envolviam interesses de empresas junto a órgãos públicos.
Preso no mês passado pela Operação Zelotes, Marcondes pagou em 2014 pelo menos R$ 1,5 milhão a uma microempresa de marketing esportivo de um filho do ex-presidente Lula, Luis Claudio Lula da Silva, na mesma época em que recebeu R$ 16 milhões de duas empresas automotivas interessadas na renovação de medida provisória.
Datada de dezembro de 2013, a planilha traz os nomes de 61 pessoas e 14 empresas, telefones, e-mails e a descrição de objetivos de uma parte dos “projetos”.
Em alguns casos, eram medidas que Marcondes pleiteava do governo federal, como a redução de impostos para empresas automotivas e obras públicas. Em um caso, o alvo de Marcondes foi um órgão do governo de São Paulo. Não há no papel nenhum registro de valores ou de pagamento de propina.
A planilha inclui um “Projeto Alstom”, referência ao grupo industrial de infraestrutura de energia e transporte foco de investigações sobre pagamento de propina a políticos do PSDB e funcionários públicos para obter contratos no governo paulista.
A reportagem apurou que gestores da área de recursos humanos da Alstom fizeram três reuniões com Marcondes para desenvolver um plano a fim de evitar greves de funcionários da empresa.
A empresa Ballard Power Systems, que desenvolve e fabrica células a combustível de hidrogênio para uso em ônibus de transporte urbano, é citada em três atividades de Marcondes, relacionadas às prefeituras de São Bernardo do Campo (SP), governada pelo PT, e Sorocaba (SP), do PSDB, e à EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos), vinculada ao governo paulista.
No “Projeto Ballard/EMTU”, ele buscava incentivo do governo paulista e se reuniu com o então vice-governador, Guilherme Afif Domingos, ex-ministro de Micro e Pequena Empresa no governo Dilma Rousseff e desde quinta (29) presidente do Sebrae.
Afif confirmou à reportagem que conhecia Marcondes “da época da Anfavea”, entidade que reúne empresas do setor automobilístico, na qual o lobista era vice-presidente até ser afastado no início desta semana, mas o recebeu “institucionalmente” na sede do governo por duas vezes, em fevereiro de 2013 e outubro de 2012. Em uma ocasião, Marcondes estava acompanhado de Silvano Pozzi, da Ballard.
No “Projeto Dakar/Mitsubishi” da planilha de Marcondes, ele iria buscar “a equiparação do IPI [Imposto Sobre Produtos Industrializados] para veículos de trabalho agrícola e do Exército”. O IPI é um imposto federal e a pretensão de Marcondes dependia de parecer da Receita.
O servidor aposentado da Receita Enilto de Araújo, cujo nome consta na planilha relacionado ao mesmo projeto, disse à reportagem que apenas orientou a firma de Marcondes a fazer o protocolo da consulta. Porém, a resposta da Receita foi negativa e ele nada recebeu pela ajuda.
Havia ainda o “projeto de prorrogação de 2010 para 2015 do incentivo fiscal de 32% da Mitsubishi” e o “Projeto de prorrogação por mais 5 anos (2015 a 2020) do Benefício Fiscal para a Caoa”, no qual figurou nome, telefone de contato e e-mail do ex-ministro do governo Dilma e ex-chefe de gabinete do presidente Lula, Gilberto Carvalho, e de Lytha Spindola, ex-diretora no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. A Operação Zelotes apontou que duas firmas da família de Lytha receberam R$ 566 mil da empresa de Marcondes.
O “Projeto Andrade Gutierrez”, empreiteira investigada no escândalo da Lava Jato por supostas fraudes na Petrobras, previa “buscar obras em projetos de plantas fabris do setor automotivo”. O “Projeto BMW” previa “a criação de condições especiais de fornecimento de componentes para veículos Premium”.
OUTRO LADO
Empresas citadas por Mauro Marcondes em sua planilha negaram ter mantido qualquer relacionamento comercial com ele ou sua empresa. Outras mencionaram reuniões e contatos, mas não pagamentos.
“A Alstom consultou a empresa de diplomacia corporativa para um projeto da área de recursos humanos, em 2013. Após conversas preliminares, a Alstom optou por não contratar os serviços da empresa e não realizou nenhum projeto conjunto. Nenhum contrato foi assinado e as conversas não tiveram continuidade”, informou, em nota, a Alstom do Brasil.
A assessoria do prefeito Luiz Marinho informou que o prefeito “desconhece e nunca tratou de qualquer assunto referente ao ‘Projeto Ballard/São Bernardo do Campo’“. A assessoria da prefeitura de Sorocaba não foi localizada.
O então vice-governador de SP, Guilherme Afif Domingos, ex-ministro de Micro e Pequena Empresa no governo Dilma Rousseff, disse que era sua função, na gestão do comitê de gestão das parceiras público-privadas, receber as demandas de empresas, que eram analisadas e respondidas.
“Além de vice-governador, eu era o gestor do programa estadual de parcerias público-privadas. Eu tinha uma agenda em que recebia diversos empresários”, relatou Afif. Ele acredita que o projeto proposto por Marcondes “nunca nem saiu do papel”.
A Mitsubishi informou que não iria se pronunciar.
O servidor aposentado da Receita Federal Eli Guedes, citado em planilha como relacionado a um “projeto” de redução de impostos para Mitsubishi, disse que não poderia “falar nem declarar nada”.
A BMW informou, pela sua assessoria, que “não tem e nunca teve qualquer relação comercial” com Marcondes ou sua empresa de consultoria. “A companhia está à disposição para esclarecer eventuais dúvidas.”
A gerência de Marketing Institucional da EMTU informou que a Ballard “foi contratada pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (PNUD) dentro do Projeto Ônibus Brasileiro a Hidrogênio, coordenado administrativamente pelo Ministério de Minas e Energia”. A EMTU é a “responsável técnica pelo projeto” e as empresas foram escolhidas por licitação, de responsabilidade do PNUD. A EMTU informou que “nunca foi procurada” por Marcondes”.
Procurados pela reportagem, representantes das empresas Ballard, Piquetur e Andrade Gutierrez citados na planilha de Marcondes não foram localizados para comentar o assunto. Ao longo da semana, os advogados de Luis Cláudio Lula da Silva, Caoa, Gilberto Carvalho e Lytha Spindola negaram qualquer envolvimento em irregularidades.
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